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Um mascate resiste ao tempo e ainda vende a prazo com fichinhas mensais

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da Redação DiárioZonaNorte

Quase 67 anos depois, muitas histórias de trabalho e empreendedorismo acabaram se multiplicando. Lá trás, a história do falecido empresário Samuel Klein, judeu polonês e fugido dos alemães, mostra a determinação e a força de vontade de um ser humano.

Veio de longe para buscar uma nova esperança e fundou um império por meio das Casas Bahia. Com pouco dinheiro no bolso, uma família para sustentar, Klein tinha uma casa para morar em São Caetano do Sul e havia comprado uma charrete. E virou mascate de porta em porta oferecendo roupas de cama, mesa e banho.

Levava sua charrete carregada de produtos, da manhã até o começo da noite, com seu jeito simples, com sotaque de estrangeiro, mas de boa conversa.

Quando a “freguesa” recusava a compra por não ter como pagar, Klein oferecia um jeito de ajudar: ficar com o produto e pagar em prestações, em fichas preparadas na confiança. E o tempo passava e ele retornava para receber. E assim nascia o crediário das futuras Casas Bahia e de seu império de lojas espalhadas pelo Brasil.

O INÍCIO DE MAIS UM EXEMPLO

Guardada as devidas proporções, e a evolução dos meios, lá veio mais um nordestino da caatinga de São José dos Gatos (hoje com novo nome de Rodolfo Fernandes), perto de Mossoró do Rio Grande do Norte, tentar a sorte em São Paulo. É José Nivaldo de Souza, mais conhecido como “Dedé do Crediário”, hoje com 49 anos de idade e que não disfarça seu sotaque característico.

Mas antes, desde sua chegada em terras estranhas foi buscar alternativas para sobreviver e fez de tudo um pouco trabalhando como engraxate, vendendo balas e frutas. E foi trabalhando no comércio que vislumbrou uma oportunidade de futuro. Foi um andarilho nas vendas de porta em porta em bairros da Zona Sul e depois no ABC, quando começou a oferecer produtos de cama e mesa.

UM JEITO NOVO DE TRABALHO

E nesta vida de trabalho nas ruas lá se vão 30 anos. Mas o pensamento maior é o sustento para a mulher e o três filhos (Nicole, Darlan e Daphne) que ficaram na terra natal. Mas sem saber do histórico de Samuel Klein, o “Dedé do Crediário” foi redescobrindo veladamente as origens das Casas Bahia.

Mas depois, há 16 anos, ao invés da charrete do Sr. Klein, o “Dedé” começou empurrando um carrinho de mão igual ao de pedreiro – já na ruas de seu bairro, onde mora até hoje, Vila Nova Mazzei — e depois passou para uma bicicleta – estendendo um pouco mais o roteiro de trabalho.

Somente há quatro anos, com as economias guardadas, deu um passo maior comprando uma Honda C-125. Com mais economia e uma boa dívida para pagar, conseguiu atrelar uma “carretinha” com bastante espaço para carregar seus produtos de venda.

VENDA PORTA A PORTA

“Dedé do Crediário” sai pelas ruas da Zona Norte/Nordeste, principalmente na Vila Maria, Vila Medeiros, Parque Edú Chaves, Parque Novo Mundo, Jaçanã, Vila Nova Mazzei e outros. De manhã até o final da tarde, percorre uma média de cinco a dez quilômetros diariamente já com roteiros pré-selecionados e muitas visitas em residências das “freguesas”.

“O meu roteiro é prejudicado somente quando chove, que fico parado e perco muito tempo, até o dia todo.Em alguns casos, enfrento até enchentes”, observa Dedé. No baú vermelho atrás da moto tem um pouco de tudo — como colchas, mantas, cobertores, edredons, toalhas, tapetes, cortinas e até utensílios domésticos, como panelas.

Mas não deixa de carregar as “encomendas” das freguesas mais antigas, que preferem a vinda de um eletrodoméstico pelas mãos do Dedé do que comprar em uma Casa Bahia. “Além de confiar no produto, pode pagar do jeito que achar melhor comigo, sem burocracia do crediário”, diz o vendedor ambulante. O vendedor de rua não pretende mudar para um veículo com maior capacidade (Kombi, furgão ou van), já que isto traria mais despesas.

TUDO ANOTADO EM FICHINHAS 

Em plena era da alta tecnologia, com smartphones e outros dispositivos móveis, Dedé ainda está no tempo das “fichinhas”. “Não entendo destas coisas, só tenho celular”, arremata. Com um monte de fichas presas a um elástico, nas mãos – até um pouco carcomidas e sujas pelo uso — , ele já tem tudo separado pelas ruas e roteiro.

No impresso tem as informações básicas da cliente, as compras recentes e o controle de pagamento. Tudo feito à mão e no ato dos acertos. No seu controle são aproximadamente mil fichas de clientes ativos, com vendas características nas estações de frio (mais cobertores e edredons) e no calor (lençóis, produtos de cama e mesa, e panelas)

“Minha tática de garantia é sempre vender para mulheres, as donas de casa, e de preferência em grupos, ou as vizinhas, que acabam me dando mais certeza de conhecimento, testemunha e segurança no pagamento”, é como trabalha o comerciante.

E assim a loja ambulante vai circulando pelas ruas, com as paradas pré-determinadas e as expectativas das freguesas. A única publicidade que tem é a moto com o reboque vermelho – “e também as próprias freguesas, de boca e boca”.

AS VENDAS E O RETORNO

As compras variadas de cada cliente giram em torno de 400 a 500 reais, no máximo, que acabam sendo acertados em cada visita mensal na faixa de 50 até 100 reais. “As minhas clientes são de confiança e pagam direitinho.

É muito difícil não ter acerto. Tem algumas que reservam o dinheiro para chegar o dia do pagamento”, comenta Dedé. E, com isto, a empresa “Dedé do Crediário”, que tem uma área reservada de estoque na garagem de sua casa também na Zona Norte/Nordeste, vai aplicando na compra do produtos para revenda às clientes.

Segundo cálculos do vendedor, chega-se a 60 por cento de lucro, em vendas mensais de 35 a 40 mil reais, o que em média dá para ter o lucro liquido de 8 mil reais. “Tenho meus fornecedores certos no Brás e noutros atacadistas até em Santa Catarina, com parcelamentos, de onde faço meu estoque e minhas vendas”, define ele.

EM BUSCA DE NOVO MERCADO

Deste modo, o “Dedé do Crediário” vai se acertando no dia a dia, buscando mais vendas e guardando economias – além do repasse para sua família no estado de origem – para o seu grande sonho de chegar a ser “O Rei dos Frios”.

Ele quer criar uma grande rede na venda de todo tipo de frios. Mudar de ramo e ser mais fixo em seu negócio, junto à família. Por enquanto, a sua mulher já gerencia seus negócios na cidade nordestina.

É provável que venda seu negócio e a carteira de clientes para ter retorno financeiro e dar chance a um novo empreendedor. “O ano que vem pretendo estar lá, deixando minha saudade aqui nesta São Paulo que muito me ajudou”, vai encerrando seu depoimento. Dedé ainda faz uma propaganda do seu serviço: “Quem tiver interesse nos produtos e no negócio é só entrar em contato pelos celulares 9-8345.4919 ou 9-4605.5165.

SEM INVEJA

Mais uma demonstração de luta, sacrifício e na simplicidade da força do trabalhador brasileiro. Enquanto isto, lá vai o bauzinho vermelho da moto, circulando pelas ruas da Zona Norte/Nordeste, e carregando em sua carroceria a frase que marca a trajetória de muita luta: “Não sinta inveja de mim, não sou rico, apenas trabalho!”.

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