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da Redação DiárioZonaNorte

 

Desde o início da civilização o pão e o vinho sempre caminharam juntos. A primeira menção aos dois alimentos em uma escritura sagrada foi em Gênesis Capítulo 14 – Versículo 18, onde Abrão se encontra com o rei e sacerdote Melquisedeque, por volta de 1800 a.C. Nesta passagem, o sacerdote oferece pão e vinho como sinal de bênção para Abrão.  Passados seis mil anos, a dupla pão e vinho ganha relevância no lugar mais amado pelos brasileiros: a padaria.

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uma dupla com seis mil anos de idade

Há alguns anos escutamos de um panificador (membro da família) que a venda de vinhos era “um mal necessário”, que dispunha de “uma ou outra garrafa”, mais para atender um eventual cliente em uma emergência.

Vários fatores influenciaram na mudança radical deste cenário do consumo. Na década de 90 houve a “abertura das importações” e por meio do trabalho de  importadores sérios, onde destacando o trabalho de curadoria realizado pela Casa Flora Importadora,  passamos a ter acesso a produtos incríveis e bons vinhos.

De acordo com a consultoria global Wine Intelligence – o número de apreciadores de vinho no Brasil passou de 22 milhões em 2010 para 44 milhões em 2022. O nível de exigência destes consumidores também aumentou.

Fermento

Lentamente, tal qual o fermento usado nos pães, os vinhos ganharam espaço nas padarias. Para acompanhar este mercado, muitas padarias investiram em espaços, variedade de rótulos e estilos que atendem todos os gostos e bolsos e passaram a oferecer experiências de consumo.

De acordo com Júnior Medeiros – sommelier profissional e degustador certificado, formado pela Associação Brasileira de Sommeliers – ABS-SP e membro da diretoria da ABS São Paulo, Campinas e Grande ABC, as padarias são lugares  complexos que vão além de um lugar onde simplesmente se compra pão.

Padarias agregam diversas outras ofertas de produtos, lanches, embutidos, pizzas, às vezes, refeições algumas outras vezes… Isso trouxe junto a necessidade de acompanhamento, porque por mais que o vinho seja considerado fiscalmente como um produto alcoólico, uma bebida alcoólica no Brasil hoje, ele não deixa de ser um alimento, complemento de uma refeição, que é a forma como ele é tratado no velho mundo, nos países da Europa majoritariamente falando. O fato do vinho estar sendo enxergado como uma nova proposta, mais como alimento e menos do que bebida alcoólica pela própria população, fez com que as padarias também se adaptassem a esse modelo e colocassem mais vinho no seu portfólio e em suas  prateleiras“, pondera Medeiros.

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Júnior Medeiros

Adega Hours Concours

Entre as pioneiras neste movimento de profissionalização das panificadoras no comércio de vinhos na cidade de São Paulo, está a Galeria dos Pães. Fundada em 1999 e funcionando 24 horas por dia, é uma padaria gigante. São 800 metros de salão e outros 2 mil metros de área industrial.

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Galeria dos Pães foi aberta em 29 de julho de 1999

Considerada a Disney das panificadoras pelo público, atrai fãs de toda a cidade, por sua variedade de produtos e seus badalados buffets de café da manhã, almoço, chá da tarde e jantar. Ali, os vinhos recebem um tratamento todo especial.  A adega da Galeria dos Pães é hors concours, com cerca de 1,5 mil rótulos de vinhos dos mais variados estilos, de países do velho e novo mundo. Sommeliers orientam os clientes para uma escolha acertada.

1,5 rótulos de estilos variados onde o atendimento é realizado por somelliers

Júnior Medeiros vê como positiva a atuação de sommeliers em adegas e áreas de atendimento de padarias. De acordo com ele, o papel do profissional é muito amplo.

“O sommelier tem tantos outros papéis, além de servir o vinho da maneira correta, a temperatura correta, da forma correta, na ordem correta, na sequência correta dos vinhos… ele é o profissional responsável por harmonizar corretamente o vinho… criar a harmonização, manter uma carta de vinhos atualizados, dinâmicos, modernos, com preço justo, com os vinhos disponíveis na adega, montar as harmonizações com o chefe, mudar os menus frequentemente, mudar a própria harmonização frequentemente, entre outras coisas… Isso é só alguma coisa de um restaurante que eu estou falando. Infelizmente, as pessoas não dão o valor devido ao tanto que o profissional de vinho é necessário no restaurante para conquistar um cliente, para fidelizar um cliente.” – lembra Junior Medeiros.

Confeitaria Saint Tropez
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Confeitaria Saint Tropez

A Zona Norte de São Paulo também ostenta padarias com adegas bem estruturadas. A Confeitaria Saint Tropez, no bairro Santa Terezinha, se destaca pela robusta adega com cerca de 300 rótulos de diferentes países. Não há um sommelier no estabelecimento. Ali, são os funcionários que dão sugestões de vinhos aos clientes sobre os rótulos à venda.

cerca de 300 rótulos de diversos países
Concorrência desleal

Inaugurada em 2020 e com uma área de 500 m² de salão, a  Saint Tropez foi planejada cuidadosamente. O projeto elaborado a pedido da família Martins, pelo escritório Arquitetura Mix – com assinatura da arquiteta Rosinei Cristina da Nóbrega Santos, em 2019  antes do boom do consumo de vinhos na pandemia -, valoriza a bebida e convida os diferentes perfis de consumidores  a explorarem  a diversidade do vinho.

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Ilustração artística da adega no projeto desenvolvido pelo escritório Arquitetura Mix

Quem é o principal concorrente de uma padaria, quando o assunto é vinho?  “Nosso concorrente é o vinho contrabandeado… vendido no Mercado Livre… em grupos de WhatsApp… É uma concorrência desleal. Algumas vezes, são até vinhos falsificados. O importador paga impostos, nós pagamos impostos, temos funcionários e eles não….” afirma Rubens Lima – gerente da Saint Tropez.

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Rótulos da Bodega Norton importados pela Casa Flora Importadora
As taças

Além da adega, a Saint Tropez serve vinhos em taças para consumo no salão. Para oferecer uma experiência única de consumo para seus clientes, a padaria investiu em duas wine dispensers – máquinas que oferecem os vinhos em taça.

O equipamento preserva o vinho de forma correta, por meio de um mecanismo que pressuriza as garrafas individualmente – mantendo os aromas do vinho e suas qualidades originais de acordo com a concepção do enólogo.  Pistões pneumáticos de alta pressão, garantem que não haja micro-vazamentos de oxigênio para dentro da garrafa, o que oxidaria o vinho.

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wine dispensers servem vinho em taça sem que a bebida perca a qualidade

Saint Tropez disponibiliza vinhos tinto, branco e rosé – cujo o valor da taça varia entre R$ 15,90 e R$ 19,90. Os rótulos disponíveis na máquina harmonizam com o cardápio oferecido pela casa. Por dia, as duas máquinas utilizam cerca de 15 garrafas de vinho.

“Essas máquinas são maravilhosas, porque permitem você tomar uma tacinha num preço justo, pra que você possa evitar de tomar um refrigerante qualquer, que não é saudável. Elas estimulam o aumento do consumo de vinhos e o acesso do consumidor a este universo. Isso é maravilhoso” – afirma Júnior Medeiros.

Confeitaria Paris
Adega da Confeitaria Paris

Também na Zona Norte, outra padaria se sobressai por ter uma uma adega caprichada: a Confeitaria Paris. Fundada em 2007 no Jardim França, pela família Martins – não por acaso, os mesmos fundadores da Confeitaria Saint Tropez. Hoje, a Paris é comandada pelo empresário Antônio Dias Monteiro e seus sócios.

Rótulos da argentina Catena

Na Paris o consumidor encontra rótulos como o italiano Brunello Di Montalcino da vinícola Camigliano;  os portugueses Cartuxa Évora DOC Alantejo e Esteva Douro DOC; os badalados vinhos da argentina Catena ou ainda, os espanhóis Pata Negra da Bodega Valdepeñas.  A Paris também serve vinhos em taças, acondicionados em embalagens bag box, durante os buffets de almoço e jantar.

Melhor Pão Francês de São Paulo e o vinho

Com uma oferta enxuta em número de rótulos, sem perder o olho na qualidade, a Estado Luso – localizada na Vila Paulicéia, na Zona Norte de São Paulo e sob o comando da família Botelho – coleciona prêmios e reconhecimentos.

A padaria foi vencedora da categoria melhor pão francês  no Concurso Padocaria nas edições 2021 e 2022, melhor padaria da Zona Norte também na edição 2021 do Padocariamelhor padaria de São Paulo pelo Sampapão em 2022 e melhor pão francês pelo caderno Paladar do jornal Estadão em 2022 – para citar alguns. Ali é muito comum as longas filas de clientes em busca de seus variados pães e doces.

adega enxuta com bons rótulos

Na adega da Estado Luso, o cliente encontra vinhos em sua maioria tintos e brancos, com alguns rosés e rótulos como o jovial  português  Putos – uma colab entre os humoristas Danilo Gentil, Diego Portugal e Oscar Filho com a Casa Flora Importadora; o espanhol Pata Negra nas versões tinto e branco e o argentinos Catena tintos, com duas castas diferentes: Malbec e Cabernet Sauvignon.  Entre os nacionais, o consumidor encontra a linha de vinhos da gaúcha Pizzato.

Importância do Canal Padaria

Renato Martins, Gerente  On e Off Trade SP da Casa Flora Importadora reconhece  a importância das padarias como “canal de vendas'” e sua crescente influência na consolidação da “cultura do vinho” no Brasil.

É notável a evolução das padarias nos últimos anos. Elas se reinventaram, se modernizaram e se transformaram em verdadeiros centros gastronômicos. Acredito que o vinho tem um papel fundamental nesse movimento. Com adegas modernas e completas, as padarias atraem um público cada vez mais crescente e exigente, com sortimento, qualidade e diferentes faixas de preço, atendendo a todos os públicos.”, afirma Martins.

Desempenho do setor

A fala de Martins corrobora com uma pesquisa do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae).  De acordo com ela, 2023 tem sido um dos anos mais lucrativos para o setor de padarias.

Entre os meses de janeiro e maio, segundo a entidade, o setor já havia faturado R$ 58 bilhões. As padarias são frequentadas diariamente por 47,5 milhões de pessoas.  O estado de São Paulo tem 12,7 mil padarias, quase o dobro do Rio de Janeiro. Ainda, de acordo com os dados do Sebrae todos os dias cerca de 100 novas padarias são abertas no Brasil.

Guia das Padarias

Números estes que indicam que para se sobressair neste setor tão competitivo, as padarias precisam assumir am sua vocação de centros gastronômicos.

E essa vocação para centros gastronômicos ficou evidenciada no recém lançado Guia das Padarias, uma iniciativa do Sampapão – entidade que representa o Sindicato e a Associação dos Industriais de Panificação e Confeitaria de São Paulo, a Fundação do Desenvolvimento da Indústria de Panificação e Confeitaria (FUNDIPAN) e a Escola Técnica de Panificação e Confeitaria  do Instituto do Desenvolvimento de Panificação e Confeitaria (IDPC), com apoio da Secretaria de Estado do Turismo e Viagens de São Paulo.

Secretário Roberto de Lucena e Rui Gonçalves, com o Guia das Padarias

O lançamento do Guia das Padarias aconteceu na 2ª quinzena de outubro, na sede do Sampapão, em cerimônia com as presenças de Rui Gonçalves – presidente da entidade e do secretário Roberto de Lucena. Leia a matéria aqui.

Com 60 páginas, o Guia das Padarias reune 150 padarias paulistas e sua gastronomia peculiar e as introduz no universo do turismo gastronômico.  A publicação é gratuita e pode ser acessada em pdf neste link.

Os clássicos da padaria e suas harmonizações

Impossível falar sobre vinho em falar de comida. Pedimos ao sommelier Júnior Medeiros para harmonizar com vinhos dois dos clássicos das padarias: a coxinha e o bauru.

A coxinha de frango vai muito bem com espumante branco. A  fritura pede uma acidez muito elevada no vinho e os vinhos que mais tem acidez são os espumantes. Mas atenção: espumante elaborado pelo método tradicional, traz uma lembrancinha de levedura, lembra um pouco a panificação, que vai aproximar ainda mais aquela questão da massinha crocante por fora e  massa cozida por dentro da coxinha. Frituras pedem acidez muito  elevada” diz Medeiros.

Continua ele, “bauru tem o pão, que tem carboidrato ali. O carboidrato a gente tem que combater ele com fruta, tomate é fruta e aí entra como semelhança, fruta no vinho e fruta na comida. Presunto, ele tem gordura, o queijo também tem gordura e são os salgadinhos. E no vinho a gente tem a acidez que contrasta com a gordura. E o rosé é um vinho, geralmente mais elegante, mais leve, com isso a gente percebe mais as nuances do vinho, percebe-se um pouco mais o álcool, percebe um pouco mais o açúcar. Então um bauruzinho com vinho rosé vai ficar uma delícia”.

Vinho Rosé
Democratização indiscriminada do vinho

Quando uma padaria oferece aos seus clientes uma boa carta de vinhos, com preços e rótulos variados, de certa forma, colabora com o movimento de democratização do vinho no Brasil.

Portugal consome mais de 50 litros per capita, enquanto o Brasil está perto de 3 litros per capita por ano. Apesar de estarmos muito longe nesse ranking, encaro todo esforço para aumentar esse consumo como muito válido. E,  eu mesmo dirijo em minhas mídias sociais e durante as aulas que eu ministro, meus esforços para disseminar realmente, indiscriminadamente, a democratização do vinho.  Fazer com que o vinho seja realmente sempre pensado como um alimento, como um acompanhamento, como sempre uma sugestão de combinação de vinho, de harmonização, ou mesmo de teste de tentar enxergar o vinho no lugar onde hoje o pessoal só enxerga cerveja ou drinks, como por exemplo praia, piscina, churrascos, etc.” conclui Júnior Medeiros.

Serviço:

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