trem
por Beto Freire (*) — Artigo quinzenal n. 27 – < Cidadania >
No início do século XX a chamada escória da sociedade brasileira tinha um trem que era o transporte até Hospital Colônia de Barbacena (*), em Minas Gerais. Entre os internos/pacientes estavam os deficientes mentais, alcoólatras, “pessoas não agradáveis”, como: prostitutas, homossexuais, mendigos, pessoas sem documentos, pobres, entre outros grupos marginalizados naquela época pela sociedade.
Com a desculpa de um suposto tratamento psicológico/psiquiátrico, que quase sempre não trazia resultados positivos, em alguns casos apenas precipitaram óbitos.
Os atuais “Barbacenas” que se transformaram em Centro Temporário de Acolhimento – que leva a sigla CTA e não deixa de ser ´´albergue´´ – coordernado pela Secretaria de Assistência Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS) da cidade de São Paulo, não estão muito diferentes do modelo mineiro de 120 anos atrás.
Onde um grupo de etnias diversas é conduzida para um galpão, com iluminação e ventilação reduzidas, para “descansar” seus infortúnios e distúrbios mentais. Também é possível esconder-se do vício ao menos no período noturno.
As aparências
Lá em Barbacena com cá em São Paulo, o hotel de 5° categoria não oferece mais que uma sopa com pedaço de pão, um colchonete para esticar os ossos. E talvez algum atendimento superficial de psicologia/psiquiatra que despeja os moribundos logo cedo nas ruas.
Novamente, sem grandes esperanças, libertos ao mundo para em condições em busca de alimentos, vestuário, bebida e química para enfrentar as desilusões até o próximo por do sol.
Essa realidade fica longe dos olhos dos eleitores, como naquela época a máquina de propaganda mostrava pessoas em uma “vitrine” de confraternizações e um ambiente cheio de esperanças vazias….
Outra característica idêntica é uso da antiga ferramenta do proselitismo religioso, disparando blasfêmias contra os críticos, com objetivo de enquadrar e silenciar contribuintes esclarecidos na esfera do cristianismo político-eleitoral.
Meu pai sempre dizia: “Onde houver dinheiro, política e jogos… Deus não chega perto”.
Os projetos nas essências
O fato cabal de todo esse enredo e afogo para construir diversos CTA’S “os albergues” – nos bairros do entorno do centro, é o antigo Projeto Nova Luz, de outro mandatário municipal. Esse antigo projeto previa a requalificação do centro da cidade, com muitos edifícios de médio e alto padrão, utilizando a infraestrutura existente, para que construtoras lucrassem infinitamente com a venda dos imóveis.
Agora, compra-se barato, o caos é um excelente depreciador de imóveis, em pouco tempo esses metros quadrados poderiam ser convertidos em bilhões de reais.
E porquê? O centro tem avenidas largas, museus, pluralidade de transporte público, teatros e a maior variedade culinária do hemisfério sul. Tudo isso agregando valor aos futuros apartamentos, que na maioria dos casos são minúsculos, mas oferecem piscina, academia, playground e outros mimos por um valor de condomínio “vitaminado”.
Na época do governo José Serra/Gilberto Kassab, o projeto Nova Luz teve seu início há um pouco mais de dez anos, em silêncio foi ganhando musculatura e agora atingiu o ápice com a empurrada dos dependentes químicos para bairros adjacentes ao centro. E até mudou o nome para o pomposo Centro Histórico da Cidade de São Paulo.
Sem concordância
Que tem encontrado bastante resistência de moradores e comerciantes “escolhidos” sem consulta, audiência pública e diálogo — até com arquitetos e urbanistas –, a máquina de guerra pública é poderosa e não tem descansado, os bairros marcados muitas vezes tem lutado inclusive raro apoio da Imprensa, que costuma fazer média com anúncios do poder público, classe política e grandes incorporadoras.
Claro que todo esse enredo passa pela instalação dos ´´albergues´´— que são os CTA´s — nos territórios demarcados para receber parte da Cracolândia, sem um gesto “humanitário” na mudança forçada a evidência dos motivos saltaria a olhos nus.
Nada contra a sociedade e os menos favorecidos, muito pelo contrário, o que se deveria buscar era das mais condições nestes CTA´s — ou como os autênticos albergues de antigamente – com mais condições humanitárias. Hoje os próprios usuários reclamam das condições, abertamente dão entrevistas nos telejornais e em programas especiais. E falam a verdade, a realidade, o que acontece lá dentro do final da tarde ate o dia a manhãzinha do dia seguinte, onde foram ´´acolhidos´´.
Mais transparências
Se a realidade é outra, o certo seria esses CTA´s (os que chamamos de ´´albergues´´) serem mais transparentes e abertos para o público – ou a Imprensa – sentir a realidade com seus próprios olhos e ouvidos, até olfato, tato e paladar.
Desta forma, a qualquer dia e horário, sem a interferência do governo, poderia estar abertos os dez “albergues” (ou como queiram, CTA´s) e os outros serviços na categoria de assistência ao menos favorecidos da sociedade, mostrando o ´´certo e o errado´´. Somente comunicados, números, gráficos, estatísticas e ´´desculpas´´não levam à profunda realidade das coisas.
Se ficar como está, tentando soluções precipitadas e desculpas de recuo, nada será resolvido. Muito pelo contrário, é certo a piora. Se não houver uma união de vários segmentos e de moradores, nada irá adiante.
Uma solução até poderia ser um terreno enorme como se fosse uma cidade de acolhimento, com uma boa infraestrutura – até fora da cidade, em lugar não residencial — com total assistências médicas, hospitalar, psiquiátrica…mescladas com lazer, esportes… com atividades de trabalho e culturais.
E apostando cegamente na ignorância e falta de memória do povo, nas soluções paliativas e sem sentido lógico da realidade, os políticos patrocinadores deste novo Projeto Nova Luz provavelmente terão uma derrota acachapante nas próximas eleições municipais. O povo está com um sentido de ver e não mais crer.
(*) Hospital Colônia de Barbacena foi um hospital psiquiátrico fundado em 1903 na cidade de Barbacena (MG), distante cerca de 500 quilômetros da cidade de São Paulo — com ´´doentes´´levados de São Paulo (passando pelo Rio de Janeiro) através dos vagões e ramais até a Estrada de Ferro Oeste de Minas – EFOM, a do Imperador. O local fazia parte de um grupo de sete instituições psiquiátricas edificadas na cidade que, segundo alguns, ficou conhecida como a “Cidade dos Loucos”.
(*) Beto Freire — Antônio Roberto Freire é o nome oficial, com batismo de família genuinamente portuguesa, nascido e criado na Zona Norte, nas bandas da Vila Guilherme e Vila Maria. Cronista das Vilas, um apaixonado pela Zona Norte, sendo ativo colaborador há muitos anos do DiárioZonaNorte — escreve quinzenalmente. Com olhar de ativista social, preocupado com a melhor qualidade de vida de todos os moradores, sem distinção, já teve participações em muitas audiências públicas. Por outro lado, foi membro em gestões do Conselho Comunitário de Segurança-CONSEG de Vila Maria, além da presidência da Associação dos Amigos do Parque Vila Guilherme-Trote (PVGT).
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