Mirante
da Redação DiárioZonaNorte
- O Plano Diretor Estratégico (PDE) anula uma Lei de 1971 (52 anos) que protege o Mirante de Santana/Jardim São Paulo;
- A segunda votação da revisão do Plano Diretor Estratégico (PDE) acontece na Câmara Municipal de São Paulo na 3a.feira (06/06); e
- Com prédios sendo construídos na região, o Mirante de Santana/Jardim São Paulo ficará inoperante.
Os problemas que acontecem nos distritos e bairros da verdadeira Zona Norte (que tem início na Casa Verde em sentido ao Parque Novo Mundo) são cíclicos. Sempre chegam a um final feliz, após muitas reclamações dos moradores, e passado algum tempo reaparecem disfarçados e com outros interesses econômicos e financeiros, camuflando o lado político da situação. É um problema acontecido em 2011 e que agora, sem explicações e às escondidas, retorna no final da revisão do Plano Diretor Estratégica (PDE).
Nesta 4a.feira (31/05/2023), durante o debate do substitutivo em cima do Plano de Intervenção Urbana (PIU) do Arco de Jurubatuba, na Câmara Municipal de São Paulo (CMSP), houve o alerta do vereador Eliseu Gabriel (PSB), contra o que pode por fim do importante e já conhecido observatório do Mirante de Santana/Jardim São Paulo do Instituto Nacional de Metereologia (Inmet), localizado na Praça Vaz Muniz, no Jardim São Paulo. No artigo 101, o penúltimo artigo do PDE, foi camuflado (sem detalhes – como se fosse um “jabuti”) consta a revogação da Lei Municipal 7662, de 1971.
Essa situação incômoda foi levantada no plenário da CMSP pela voz solitária do vereador Eliseu Gabriel (PSB), que mostrou que a possibilidade do fim dos serviços do Inmet, com abertura livre e desimpedida para a construção e alturas elevadas para grandes edifícios, no entorno.
De modo geral, dá sequência aos interesses da Prefeitura de São Paulo para permitir na cidade com novos prédios no entorno de corredores de ônibus e outros pontos antes proibidos. Quanto ao Mirante de Santana/Jardim São Paulo, o vereador também justificou: “É o interesse de negócios imobiliários comprometendo os registros históricos e a previsão do tempo em São Paulo”.
O vereador levantou o assunto no meio do debate do substitutivo do Plano de Intervenção Urbana (PIU) do Arco Jurubatuba constante no PDE, no plenário da Câmara Municipal. Ele chamou a atenção “que muita gente não percebeu uma questão importantíssima, que anula uma lei de 1971, de proteção ao observatório meteorológico do Mirante de Santana”.
Depois de expor o que significa o local e a importância do Inmet, Eliseu Gabriel apelou para que todos se atentem ao assunto: “por a mão na consciência, pois isto é seríssimo, não pode acontecer, e vai jogar no lixo o Mirante de Santana”.
O que significa o Mirante
No Mirante de Santana/Jardim São Paulo está localizado o pequeno e antigo prédio da importante estação federal mantida pelo Inmet, em acordo e parceria com a Prefeitura para uso de dois pontos localizados no terreno da praça, onde são realizados em todos os dias do ano os monitoramentos e registros ininterruptos em acervo inestimável no valor científico para uma megalópole como São Paulo. Na praça há o prédio branco, com os controles internos, e à sua frente as medições com aparelhos externos.
E ali foi estrategicamente instalado no ponto mais alto da região (792 metros de altitude e mais de 60 metros acima do nível do Rio Tietê), em campo aberto e sem edificações (com ampla visualização da cidade), sem comprometer a coleta de dados, como circulação de ventos, incidência direta da radiação solar e outras interferências meteorológicas.
Com essas preocupações e cuidados que, em 18 de outubro de 1971, a gestão do prefeito José Carlos de Figueiredo Ferraz assinou a Lei n. 7662, com o único interesse de proteger o local à exploração imobiliária proibindo a construção de grandes edifícios, principalmente ao redor da observatório meteorológico.
A lei é bem clara no seu primeiro artigo: ´´No perímetro delimitado pelas ruas Dr. Zuquim, Conselheiro Saraiva, Machado Pedrosa, Av. Leôncio de Magalhães, Pedro Madureira e Álvaro de Abreu, somente serão permitidas construções, reconstruções ou reformas que, em qualquer de seus pontos, não ultrapassagem a cota do piso do segundo pavimento do atual Mirante de Santana/Jardim São Paulo — equivalente a não ser superior a 796 metros acima do nível do mar´´.
Ainda no curto e certeiro texto da lei, as observações: ´´aplica-se aos imóveis lindeiros a ambos os lados dos logradouros que formam perímetro descrito´´ e observava que ´´os imóveis em desacordo com o prescrito na lei serão oportunamente declarados de utilidade pública para efeito de desapropriação´´.
O caso anterior
No próximo mês, completará dois anos que houve a tentativa na construção de um edifício de 23 andares, com subsolos de garagens, apenas a um quarteirão – cerca de 200 metros – ao lado do prédio da estação meteorológica do Mirante de Santana. A tentativa, sem alarde, coube à Construtora FAO Building com a construção do Piazza San Giorgio na Rua Pedro Madureira, onde deu início à demolição de três antigos imóveis.
Com a rápida publicidade na distribuição de folhetos para venda de apartamentos do empreendimento, os moradores do local tomaram conhecimento e deram ao início de um movimento contrário para impedir a construção.
Houve a mobilização de abaixo-assinado com mais de 1.500 assinaturas questionando a legalidade do projeto e pedido a cassação de alvará de autorização concedido pela Prefeitura de São Paulo. Ao mesmo tempo, foi solicitado ao Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (Conpresp) a decretação do tombamento como patrimônio histórico no observatório meteorológico.
A denúncia dos moradores também foi encaminhada ao Ministério Público de São Paulo (MP-SP), que teve inquérito instaurado e notificação à Secretaria Municipal e Licenciamento (SMUL). E foi determinado que a Subprefeitura Santana/Tucuruvi/Mandaqui vistoriasse os sete empreendimentos planejados e em andamento na região pela mesma Construtora FAO Building.
Mas em nota, a Prefeitura de São Paulo informou que “uma associação de moradores da região solicitou a cassação dos alvarás“, e a Subprefeitura Santana / Tucuruvi / Mandaqui negou porque “os motivos mencionados não se enquadram em qualquer um dos pontos para proibição no código de obras e edificações”.
Por outro lado, a Câmara Municipal realizou duas audiências públicas online, em setembro de 2021. Mas tudo ficou parado no tempo, sem nenhum resultado efetivo. No local dos terrenos para o prédio da Construtora FAO Building, foram feitas as demolições – somente uma casa está com sua frente intacta – e colocados os tapumes, com as obras não iniciadas nestes dois anos.
O que pode acontecer
O vereador Eliseu Gabriel explica que a partir desta 5a. feira (01/06/2023) acontecem mais oito audiências públicas sobre o Plano Diretor, todas na Câmara Municipal. “Há uma previsão para a segunda e definitiva votação acontecer em 21 de junho, data da última audiência pública. Até lá, vamos lutar para que haja alterações no projeto, que sejam acatadas as sugestões advindas das audiências e as emendas propostas pelos vereadores”, acrescenta o vereador, convocando os moradores da Zona Norte, principalmente no entorno do Mirante. “É uma luta de todos nós”, finaliza.
O Inmet é contra
Na época, o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), em São Paulo, preparou um documento de 12 páginas contrário à construção de edifícios na região. Nesta avaliação técnica e histórica sobre o Mirante de Santana/Jardim São Paulo, o metereologista Marcelo Schneider, que era coordenador do 7º. Distrito em São Paulo e foi transferido para Porto Alegre, realizou todas as observações e motivos com fotos, mapas e desenhos em consequência negativa para a construção de um prédio de 32 andares no local.
Ao mesmo tempo, as justificativas da importância do observatório meteorológico e sua importância com “a temperatura e umidade relativa do ar, da relva e do solo, direção e velocidade do vento, pressão atmosférica, precipitação, radiação solar, entre outras variáveis” e que aquele local “é dotado de estações de sondagem de ar superior (radiossonda); estações meteorológicas de superfície, operadas manualmente e a maior rede de estações automáticas da América do Sul”.
O metereologista observava ainda que “as medições não são só importante para contar a história climática do bairro e da cidade, como se percebe, tem relevância também no estado, país, e de forma global através dos registros que são retransmitídos. via rede mundial e que subsidiam pesquisa científicas”. Lembra também que as observações “ocorrem em três leituras sinóticas realizadas diariamente durante todo o ano, nos horários de 9, 15 e 21 horas, onde são incorporados com outros fenômenos como relâmpagos, trovoadas, granizo, geada, nuvens, visibilidade, névoa úmida, nevoeiro, entre outros.”
COMUNICADO DO Inmet-SP:
O DiárioZonaNorte encaminhou o assunto ao Instituto Nacional de Metereologia (Inmet), do Distrito de SP e MS, com o retorno do meteorologista Franco Nadal Junqueira Villela, responsável em São Paulo, que encaminhou à nossa Redação a mensagem na íntegra:
´´Nosso posicionamento é que uma mudança da lei específica, a qual limitava as construções do entorno do Mirante de Santana, vai inequivocamente prejudicar e/ou enviesar as medições da Estação Climatológica do Inmet no local, a partir da permissão de edificações de verticalização significativa.
Por enquanto não há perspectiva de retirada de nenhum equipamento relacionado ao Inmet do Mirante de Santana.
Novos locais não substituem séries temporais longevas (histórico climatológico) de uma estação Climatológica com quase 80 anos de dados. Se houver saída a série é interrompida nesse momento e em uma nova instalação se começa outra do zero, perdendo-se toda a continuidade da série que é referência para a maior cidade do País.
Atendemos frequentemente escolas e faculdades para visitarem a estação como modelo de estação da Organização Meteorológica Mundial (OMM), órgão da Organização das Nações Unidas (ONU), do qual o país é signatário.
Nas últimas duas semanas, estiveram lá para uma palestra e visita à estação: uma escola de nível médio (Camino School de São Paulo) e uma turma de Nível Superior da FMU (Engenharia. Ambiental). Temos também agendados para breve uma turma da Faculdade de Geografia da Universidade Federal de Alfenas de Minas Gerais e da Escola Municipal de Estudo Fundamental Rui Bloem de São Paulo.
Nestas palestras relatamos a problemática de realizar e manter uma estação climatológica na cidade de São Paulo, seguindo as práticas e normas preconizadas pela OMM, frente uma especulação imobiliária que pressiona por empreendimentos de alta verticalização´´.
(Re)leia a reportagem do DiárioZonaNorte, em 26/08/2021 – clique aqui