cangaceiro
por Aguinaldo Gabarrão (*)
Há 70 anos, o filme “O Cangaceiro”, inspirado na vida de foras da lei do sertão nordestino, conquistou o público e trouxe para o Brasil seu primeiro prêmio internacional de cinema. Fenômeno de bilheteria por vários anos no mundo todo, chegou a ser dublado em japonês e árabe, e foi visto em mais de 80 países.
O filme conta a história do capitão Galdino (Milton Ribeiro) e seu bando de cangaceiros que aterrorizam o sertão nordestino. Eles raptam a professora Olívia (Marisa Prado), e para libertá-la exigem um resgate. Porém, Teodoro (Alberto Ruschel), braço direito do capitão, se apaixona pela mulher, que também desperta o interesse de Galdino. Temos aí o conflito central da trama.
O sonho dos mecenas paulistas
Para entender o sucesso do filme em 1953, é preciso voltar para o final dos anos 40, mais precisamente em 1949, ano em que os empresários paulistas Franco Zampari e Francisco Matarazzo Sobrinho, encabeçaram um grupo de industriais brasileiros para fundar a Companhia Cinematográfica Vera Cruz, com sede em São Bernardo do Campo.
O visionário Zampari convidou o diretor de cinema Alberto Cavalcanti (1897 – 1982), para ser o produtor geral. O cineasta, que morava na Europa desde os anos 20, trouxe um grupo eclético de profissionais de primeira linha para o estúdio, o maior e mais bem equipado da América do Sul e um dos maiores do mundo.
O Cangaceiro
O projeto partiu de Lima Barreto, contratado inicialmente como ator em outras produções, e que dirigiu pela Vera Cruz, o premiado documentário “Painel”. Mas Zampari só aceitou produzir o filme por imposição de Caio Pinto Guimarães, figura de destaque nas decisões do estúdio.
As filmagens duraram nove meses em locações na cidade de Vargem Grande do Sul. A escritora Rachel de Queiroz (1910 – 2003), desenvolveu os diálogos, e o multiartista Carybé (1911 – 1997), fez o desenho de produção, a execução de cenários e figurinos.
Produção grandiosa
Logo no início, um grande plano geral com o bando a cavalo em contra luz, ao som da música “Mulher Rendeira”, demarca o patamar de grandeza perseguido por Barreto. Enquadramentos inusitados ao longo do filme potencializam esse olhar grandiloquente e de dimensão trágica.
Sua direção explorou ao máximo as possibilidades do bom elenco e tem na interpretação do ator Milton Ribeiro, a ambiguidade de Galdino: homem cruel, que faz justiça à sua maneira, nos códigos estabelecidos por ele, mas que se vê provocado pela firmeza heróica da professora.
Embora os diálogos tenham um tom artificial em alguns momentos, o ritmo ágil e o encadeamento dos fatos, apresenta nitidamente dois mundos em conflito: o homem urbano, representado por Teodoro e o homem do agreste, na figura de Galdino.
Ao colocar cangaceiros montados em cavalos – na verdade eles se deslocavam a pé –, e por outras escolhas estéticas, relacionadas a influência dos filmes de western americano, Barreto foi criticado injustamente por romantizar a figura de bandidos sanguinários. Mas o que se vê na película é o resultado do olhar pragmático do diretor, que sabia exatamente o que precisava fazer para tornar a história arrebatadora.
A carreira internacional
Após o sucesso nos cinemas brasileiros, o filme começa a sua carreira internacional. Em abril de 1953 participa do VI Festival Internacional de Cinema de Cannes. Ganha dois prêmios: Melhor Filme de Aventura e Menção Especial para a Música. Era a consagração.
No entanto, a imprensa brasileira sinalizava que a Vera Cruz atravessava severas dificuldades financeiras, por conta de uma infinidade de erros na administração, entre outros, por não ter um sistema de distribuição de filmes no país e no exterior.
Afundada em dívidas, a Vera Cruz cede todos os direitos do filme a distribuidora Columbia Pictures, também credora. Embora não haja consenso sobre as cifras alcançadas nas bilheterias internacionais, calcula-se que a empresa norte-americana arrecadou algo em torno de 80 a 200 milhões de dólares, algo jamais alcançado por outra produção, em toda a história do cinema nacional.
Os atores Alberto Ruschel, Marisa Prado e Vanja Orico, receberam convites e fizeram carreiras internacionais. O mesmo não se deu com Milton Ribeiro, que participou de outras produções nacionais, porém, repetindo o mesmo tipo de papel. O diretor Lima Barreto, que era assalariado do estúdio, nunca viu um centavo de toda a fortuna e morreu pobre, esquecido e amargurado num asilo em Campinas.
A grandeza e importância do filme “O Cangaceiro” se mantém na atualidade e prova que a criatividade dos profissionais brasileiros, alicerçada à técnica refinada, recursos, distribuição e verdadeiro apoio governamental, sempre contribuirá decisivamente para a filmografia mundial.
Assista no link abaixo o filme completo disponível no Youtube:
Serviço
O CANGACEIRO
- Estreia: 20.01.1953
- Gênero: Aventura, Drama
- País: Brasil
- Classificação: 14 anos
- Duração: 1 horas 34 minutos
- Ano: 1953
Direção e Roteiro: Lima Barreto / Diálogos: Rachel de Queiroz / Assistência de Direção: Galileu Garcia / Elenco: Milton Ribeiro, Marisa Prado, Alberto Ruschel, Vanja Orico, Adoniram Barbosa, Ricardo Campos, Neusa Veras, Zé do Norte, Lima Barreto / Direção de Fotografia: Chick Fowle / Montagem: Oswald Hafenrichter / Engenheiro de Som: Ernest Hack / Direção de Arte, Figurino e Desenho de Produção: Carybé / Produção: Cid leite da Silva / Música: Gabriel Migliori / Produtora: Companhia Cinematográfica Vera Cruz / Distribuidora: Columbia Pictures.
(*) Aguinaldo Gabarrão
- ator e consultor de treinamento corporativo e de projetos. Um eterno colaborador do DiárioZonaNorte.
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