por Aguinaldo Gabarrão (*)
É do conhecimento de parte da sociedade que o sistema psiquiátrico no Brasil nunca foi referência de tratamento adequado.
Fosse por descaso, interesses escusos ou ‘alienação’ seletiva, muitos desmandos e maus-tratos foram motivos de matérias jornalísticas, documentários, filmes e discursos inflamados de políticos de ocasião. E pouco se fez para mudar radicalmente a situação dos pacientes.
Mas, o filme ‘Ninguém Sai Vivo Daqui’ traz um conjunto novo de informações estarrecedoras, multiplicadas pelas tragédias absurdas que impactaram para sempre a vida de pacientes, a maior parte deles sem possuírem um quadro de doença mental.
Nosso holocausto
O diretor André Ristum pesquisou in loco, entrevistou profissionais da área, assistiu documentários e ao ler o livro ´´Holocausto Brasileiro´´( Editora Intrínseca, 2019 ), escrito pela jornalista Daniela Arbex, encontrou fontes documentais, depoimentos de sobreviventes e ex-funcionários, que reconstituem a história do maior hospital psiquiátrico do Brasil, denominado ‘Colônia’.
Nesse complexo de prédios ao longo de 100 anos morreram, segundo a jornalista, 60 mil pessoas por ações deliberadas ou descaso de funcionários, médicos e autoridades judiciárias. Ali foram despejados homossexuais, pretos, prostitutas, pessoas consideradas ‘tristes’, e muitas jovens grávidas pelos namorados.
Com esse imenso volume de informações e dramas pessoais, Ristum e os roteiristas Marco Dutra e Rita Gloria Curvo, fizeram um necessário recorte e centralizaram o arco dramático na história de Elisa (Fernanda Marques), uma jovem levada à força para o hospital psiquiátrico Colônia, ao engravidar do namorado.
Assim como a personagem fictícia Elisa, as pessoas com quem ela convive, igualmente existiram no coletivo humano abrigado no verdadeiro hospital Colônia. Portanto, a história ficcional é permeada de fatos reais.
Interpretações potentes
A escolha da fotografia em preto e branco ressalta a dramaticidade daquele contingente humano esquecido. E numa leitura sensorial, tem-se a percepção de um lugar árido e sem esperança, embora rodeado de natureza.
Essa ambientação criada pela fotografia, direção de arte e condução firme de Ristum, oferecem aos intérpretes as condições para um resultado conjunto convincente, com destaque para Rejane Faria (Wanda) e Viviane Monteiro (Soraya), ambas introspectivas em suas composições, impregnadas da mais pura e triste delicadeza.
Seus corpos são leituras silenciosas e potentes do drama interno que trazem para suas interpretações. E Augusto Madeira (Juraci), um ator de grande desenvoltura, une o tom de humor e velhacaria e faz de sua personagem um patife execrável e solitário.
Assistir ao filme ‘Ninguém Sai Vivo Daqui’ e ler o livro Holocausto Brasileiro que inspirou a produção, é um necessário acerto de contas com as memórias incômodas de nossa sociedade quase sempre, excludente.
Assista ao trailer clicando na imagem abaixo:
Serviço:
´´ Ninguém sai vivo daqui´´
Gênero: Drama / País: Brasil / Classificação: 16 anos / Duração: 1 hora e 26 minutos / Ano: 2023
Direção: André Ristum / Roteiro: André Ristum, Marco Dutra e Rita Gloria Curvo / Elenco: Fernanda Marques, Rejane Faria, Augusto Madeira, Viviane Monteiro, Naruna Costa, Andréia Horta, Aury Porto, Arlindo Lopes, Bukassa Kabengele, Maria do Carmo Soares, Rafaela Mandelli, Samuel de Assis / Direção de Fotografia: Hélcio Alemão Nagamine, ABC / Montagem: Bruno Lasevicius / Música original: Patrick de Jongh / Produção Executiva: Rodrigo Castellar / Produção: André Ristum, Rodrigo Castellar, Caio Gullane, Fabiano Gullane e André Novis / Produtora: Sombumbo e TC Filmes / Coprodutora: Fernanda Marques, Rejane Faria, Augusto Madeira, Viviane Monteiro, Naruna Costa, Andréia Horta, Aury Porto, Arlindo Lopes, Bukassa Kabengele, Maria do Carmo Soares, Rafaela Mandelli, Samuel de Assis/ Distribuição: Gullane+ / Divulgação: Sinny Assessoria e Comunicação
(*) Aguinaldo Gabarrão – ator e consultor de treinamento corporativo e de projetos. Um eterno colaborador do DiárioZonaNorte.
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