da Redação DiárioZonaNorte
Mensalmente a Prefeitura de São Paulo recebe em média 21 mil solicitações para a abertura de buracos na cidade de São Paulo, feitas por mais de duas mil empresas – públicas e privadas – que tem equipamentos instalados no subsolo.
Esta lista é composta em sua grande maioria por concessionárias de serviços como água, luz , gás, telefone, internet e semáforos.
Entre o período de junho e setembro, segundo dados do sistema Geoinfra – criado em 2019 para controlar as obras das empresas que precisam abrir buracos pela cidade – , foram fiscalizadas 2.775 obras onde foram detectados afundamentos, trincas, falta de sinalização, problemas de geometria e alinhamento com o asfalto da rua.
Multas e reclamações
Destas 2.775 obras fiscalizadas, 84% eram de responsabilidade da SABESP – Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo. A fiscalização resultou em 62 mil multas, totalizando R$14,5 milhões. Deste montante das multas, 55 mil delas foram para a Sabesp.
A principal reclamação da população, por meio do número 156 da Prefeitura de São Paulo, é sobre a demora na realização do pós-obra. Depois do serviço terminado, os buracos e as calçadas quebradas permanecem por muito tempo ou o serviço é mal feito e crateras se abrem, colocam em riscos pedestres e motoristas.
Quando o buraco é mais embaixo
Fechar um buraco não é tão fácil quanto parece. Envolve questões geológicas.
Na divisa entre Vila Guilherme e Vila Maria, por exemplo, uma cratera localizada no cruzamento da Rua Paes Barreto com a Av Nadir Dias de Figueiredo estava prestes a completar dois anos aberta quando, em meados de setembro foi fechada por agentes da Subprefeitura de Vila Maria/Vila Guilherme/Vila Medeiros.
O local passou por duas intervenções da Sabesp, para a captação de esgoto da rua Paes Barreto para a galeria que percorre a Avenida Nadir Dias de Figueiredo e não será a primeira vez e nem a última que o buraco reabre, justamente pelas tais questões geológicas.
O dicionário define geologia como a ciência que estuda a origem, história, vida e estrutura da Terra por meio de um conjunto de terrenos, rochas e fenômenos naturais como terremotos.
No passado um Tietê cheio de curvas
O local onde hoje é a Av. Nadir Dias de Figueiredo fez parte dos meandros e trajetória do Rio Tiete antes da retificação (processo de tornar o curso ou trajeto dos rios retos). Observe no mapa de 1897 o formato sinuoso dos rios Pinheiros e Tietê.
Se você prestar atenção da imagem aérea da região, onde está o bico da lapiseira é o começo da área da “Vila Maria Baixa“, onde hoje é a avenida Nadir Dias de Figueiredo. Observe a enorme quantidade de lagoas.
A tal da geologia
E essa mesma área onde estavam as lagoas, foi aterrada com material resultante das escavações e dragagem do novo curso do Rio Tiete. As falhas na execução da compactação do aterro até hoje, causam movimentos de acomodação no solo do local.
Lembramos ainda que é uma região com abundante quantidade de areia e solo arenoso, além de veios de argila branca pura finíssima, razão que ali foi instalada a fábrica de vidros e pratos da Nadir Figueiredo.
Esse tipo de solo tem como característica a erosão, sendo facilmente levado pela água, o que explica o recalque (fenômeno que ocorre quando uma edificação sobre um rebaixamento devido ao adensamento do solo sob sua fundação).
Dona Iria Batista, moradora da rua Paes Barreto desde 1956, convive com os efeitos do recalque em sua casa e na de alguns vizinhos há 64 anos.
Ela lembra que quando chegou na região, com seus sete anos de idade, o lugar tinha poucas casas e muitas lagoas, cercadas de chácaras onde a população podia comprar verduras. A região também tinha muitos bambuzais, que de certa forma ajudavam a conter a erosão do solo.
O pai de Iria era funcionário da Rede Ferroviária Federal S.A. – RFFSA e trouxe toda a família de Cachoeira Paulista para a Zona Norte, por ser relativamente fácil na época caminhar até a Estação Roosevelt – no bairro do Brás, para onde havia sido transferido.
“Esse buraco está ai há quase dois anos. Alguns vizinhos colocaram pedaços de pau, para avisar do perigo quem passa por aqui. Foi depois de uma obra da Sabesp… ” comentou Dona Iria Batista.
Dificuldades para estabilização do solo
Portanto não é fácil como parece, estabilizar uma vala, acesso para recuperação de uma galeria ou poços de visita. Deve ser feito preenchimento com solo de boa qualidade (tipo argila vermelha) além de boa camada de base de pedra e concreto, para estabilizar deslocamentos/recalque do solo e consequentemente do asfalto que cobre este solo.
O DiárioZonaNorte levou o assunto em análise com engenheiros e fontes, que acompanharam e fiscalizaram obras na região. Segundo informaram, não adianta “tapar o buraco” de um modo paliativo, que “poderá com o tempo ceder novamente ou até em consequências bem maiores, podendo provocar um solapamento e comprometer seriamente imóveis no local”.
Na foto abaixo, você consegue entender o resultado de um solo estabilizado de forma incorreta.
Córrego Limpo
Ainda sobre a cratera da rua Paes Barreto: o local passou por duas intervenções da Sabesp, para a captação de esgoto da rua para a galeria que percorre a Avenida Nadir Dias de Figueiredo.
O serviço foi uma tentativa de resolver a emissão de esgoto no córrego Apareiba – que passa pela Avenida Nadir Dias de Figueiredo. A ideia era incluir o córrego no Projeto Córrego Limpo, é uma parceria criada em 2007 entre a Prefeitura de São Paulo e Governo do Estado de São Paulo.
Nele, a Sabesp cuidaria para que o córrego não recebesse mais esgoto e a Prefeitura faria a limpeza manual ou mecânica do córrego, corte de mato, remoção de entulho e implantaria, ao longo dos 2.400 metros da área que margeia o córrego, um parque linear que seria naturalmente integrado ao Parque da Vila Guilherme/Trote.
Parque Linear Nadir Dias de Figueiredo
O esgoto sempre foi um problema social em qualquer lugar do mundo. Quando ele não é colhido e devidamente tratado gera inúmeras doenças. Na av. Nadir Dias de Figueiredo não é diferente.
De acordo com Beto Freire, presidente da Associação dos Frequentadores do Parque da Vila Guilherme Trote e morador da região há 40 anos – a briga para solucionar a questão do esgoto naquela área é antiga. Ele lembra que há 15 anos , um projeto para transformar a área em um parque linear foi feito pelo urbanista e Professor Silvano Pereira.
“Não é um córrego, é um “esgotão” que faz a divisão de Vila Maria e Vila Guilherme, bem em frente ao Parque da Vila Guilherme/Trote e “cartão postal” na entrada dos dois bairros. Esse canal é alimentado principalmente por esgoto e água do lençol freático. A pouca água limpa que corre ali é fruto da perfuração do lençol freático por grandes obras, que para escoar a água de forma econômica “conectaram” as vertentes de água na rede fluvial (bueiros), desta forma o Valetão ganhou o status de Canal”, afirma Freire.
Sem desapropriações e melhor qualidade de vida
Ao contrário de um parque tradicional, o parque linear ou “greenway” em inglês, é uma intervenção urbanística construída ao longo de cursos d’água.
Geralmente são maiores em seu comprimento do que na sua largura – por acompanhar o trajeto de rios e córregos e estarem sempre associados à rede hídrica. O da Av Nadir Dias de Figueiredo, por exemplo, teria cerca de 2.400 metros extensão.
O parque linear consegue unir áreas verdes, proteger, recuperar o ecossistema, controlar enchentes, abrigar práticas de lazer, esporte e cultura, contribuindo com alternativas não motorizadas de mobilidade urbana. Lembramos que para a implantação de um parque linear no local, não existe a necessidade de desapropriações.
Pauta em audiências públicas e plano de metas
A despoluição do córrego e o desejo da criação de um parque linear também foi pauta nas audiências públicas municipais, que discutiram o orçamento do ano de 2013. E chegou inclusive, a constar na meta 30 do Programa de Metas do ex-prefeito Gilberto Kassab para o ano de 2007.
Programa Córrego Limpo hoje
Entre 2007 e 2012 foram despoluídos 100 córregos, sendo 26 na Zona Norte de São Paulo. De acordo com o levantamento realizado pela própria Prefeitura, dos 149 córregos avaliados, 47 ficaram sem manutenção nos últimos anos e outros 22 tiveram suas margens ocupadas.
Na nossa região, o Córrego Carandiru (antigo Carajás) foi um dos primeiros a passar pelo programa Córrego Limpo e hoje, se encontra novamente degradado por falta de manutenção.