brasil do bem
por Toninho Macedo (*) / Reflexões – 4
Adhemar Bahadian Gabriel, diplomata de carreira aposentado — embaixador brasileiro na Itália 2006-2009 –, com muita lucidez e discernimento, em artigo de 29/05/2022, nos apresenta uma reflexão sobre este momento dramático que atravessamos em nosso País. É um pouco longo, não muito, mas, sinceramente vale a pena dispensar alguns poucos minutos para sua leitura.
Se, por acaso, o mesmo ofender os princípios de alguns, o caminho é simples: delete-o. Mas não se magoem mais do que já temos sido magoados, e nem nos queiram mal: Só estamos em busca do “Brasil do Bem”..
Pela honra da Dra. Nise da Silveira e, por justiça, ao Genivaldo de Jesus Santos!
T. Macedo
Artigo de Adhemar Bahadian Gabriel
Houve tempo em que a Polícia Rodoviária Federal era fonte de orgulho e respeito dos viajantes. Incorruptíveis, diziam uns; solidários diziam outros. Era no tempo do JK, quando Brasil crescia cinquenta anos em cinco, estradas rasgavam o país em direção ao traço magico de Niemeyer na terra árida do planalto Central.
Vivia-se a esperança do amanhã, em que migrações de brasileiros se dirigiam para Brasília, onde candangos viravam mestres de obras e nordestinos abriam restaurantes, pousadas, maravilhados diante de tanto céu, tanta luz num Brasil a explodir em rumo de um mundo melhor.
Havia humor, canções satíricas de Juca Chaves, sábados dançantes, noites de debutantes, Martha Rocha, Adalgisa Colombo, Teresinha Morango, Xavier Cougat, Altamiro Carrilho e sobretudo Ivon Curi, Nat King Cole. It was fascination. Bené Nunes.
A ideia geral era viver. Crescer. Na Economia, Celso Furtado nos ensinava os conceitos de subdesenvolvimento em contrapartida às razões pessimistas de Eugenio Gudin a insistir em nosso destino agrário. O português falado era culto, porém sem mesóclises pretensiosas . San Tiago Dantas explicava didaticamente a diferença entre o estado civilizado e a barbárie.
Sessenta anos depois, neste 2022 de eclipses sucessivas, solares umas, lunáticas a maioria, nos vemos num Brasil em que a policia rodoviária federal transforma uma viatura militar em câmara de gás e executa à luz do dia um cidadão com problemas mentais, porém pacífico e levado ao desespero por um tratamento humilhante, indigno de ser tolerado contra um animal selvagem.
Afinal, o que nos transformou neste bando de primatas? Sei que o fenômeno também ocorre em outros países, mas aqui no Brasil, todo este ódio nos acua e nos leva a uma perplexidade cotidiana. O que terá acontecido com o proverbial homem cordial? Para onde foi a decantada hospitalidade brasileira, faz poucos anos marca indelével de nossas cidades?
Será que a COVID corroeu os nossos neurônios e viramos uma espécies de zumbis antropófagos a espalhar uma insanidade brutal contra índios, negros, pobres, o meio-ambiente, a floresta amazônica?
Algo de muito podre fermenta em terras brasileiras. Já não reconhecemos este país como o nosso. Há uma palpável sensação de estranhamento em nossas relações com nossos semelhantes, vizinhos, colegas de trabalho. Nunca se comprou tanta arma no Brasil. Nunca se difundiu tanto o desrespeito à ordem constitucional e nunca se disseminou com tanta virulência a rebelião, a subversão, o golpe de Estado, o totalitarismo, tudo embalado num moralismo de fanáticos aiatolás. E tudo simplesmente hipócrita.
Impossível não comparar o desarranjo social brasileiro com o sempre lúcido livro de Albert Camus, “ A Peste”, por muitos críticos considerado uma descrição vicária da ocupação nazista da França. Certamente, aqui não há exércitos invasores, mas sobram ratos mortos e vivos a empilhar por cidades brasileiras.
Particularmente chocante, a ineficiência na epidemia do COVID, quando a ciência foi questionada diante de curandeirismo criminoso, o que deverá ter contribuído para que o Brasil tenha um número de óbitos incompatível com a cultura de nosso povo , tradicionalmente adepto da vacinação em massa. Crime que a história não esquecerá.
Com a economia depauperada, ideologicamente apegada a um neoliberalismo já abandonado por países que anteriormente o idealizavam, o Brasil tem sua cidades inchadas pela pobreza, pelo descaso, pela indiferença.
Nosso sistema educacional em todos os níveis, do fundamental à pós-graduação sofreu cortes financeiros e ideológicos com repercussão lastimável em nossos jovens pela precarização da educação pública que, no Brasil, com a merenda escolar, sustentava a sobrevivência de milhares de famílias.
No serviço público, pessoal qualificado se viu substituído por nomeações políticas de fundo inquestionavelmente corporativo com consequências danosas para o público em geral.
Praticamente abandonada à própria sorte, a mão de obra medianamente qualificada sobrevive de forma precária em serviços de entrega por motocicletas, onde o risco de vida se soma à penúria financeira.
E ao se aproximarem as eleições, forças não tão ocultas anunciam uma irresponsável descrença no sistema eleitoral brasileiro com miras a permanecer no poder por tempo indeterminado, de forma autocrática quando não totalitária.
Em nome de quem? Pois, é certo que uma minoria se beneficia deste chiqueiro político, moralmente fétido e absurdamente promovedor do ódio e da luta fratricida.
E nossa inércia é a de mortos-vivos. Nossa arma é a vitória no primeiro turno. Limpa, maciça, inquestionável. Como uma paulada numa ratazana.
Na mesma semana em que se nega à Doutora Nise da Silveira título honorifico mais do que merecido por ter sido defensora dos direitos dos doentes mentais, um cidadão pobre e mentalmente desfavorecido é morto à vista de todos numa câmara de gás improvisada pela polícia.
Nada mais revelador da miséria humana em que nos encontramos. Um coice de mula na dignidade nacional.
(*) Toninho Macedo — Por trás do conhecido Toninho Macedo, há o cidadão Antonio Teixeira de Macedo Neto, que conduziu grandes festivais de cultura e de folclore culminando no maior Festival de Cultura Paulista Tradicional, o “Revelando São Paulo“ – criado em 1996 –, por seis edições memoráveis na Zona Norte (Vila Guilherme, em 2010 a 2014 e 2017/2018), além do interior e litoral. Nele há também muita experiência e inteligência, que vem da graduação em Licenciatura Plenas em Letras Neo-Latinas (1972) e doutorado em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo-USP (2004). Atualmente é diretor cultural e artístico da Abaçai Cultura e Arte, além de gerir Museu da Inclusão e a Fazenda São Bernardo, fundada em 1881 em Rafard (interior de São Paulo), onde Tarsila do Amaral nasceu e passou a infância — saiba mais clicando aqui
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