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Crônica do Cotidiano: As eleições e o poder oculto da Opinião Pública

opinião pública
Tempo de Leitura: 4 minutos

opinião pública

por Rafic Ayoub (*)

<<Crônica 9>> ===  No próximo mês de outubro, o Brasil  começa a escrever mais uma imprevisível página de sua história política, com as eleições para a escolha de um  novo presidente da República ou a confirmação junto a opinião pública de Jair Bolsonaro para mais um mandato no comando do País.

A  consagração  do conceito de opinião pública é relacionada pela maioria dos cientistas políticos ao advento do Estado moderno, marcado pelo desenvolvimento da imprensa, a expansão das culturas liberal e democrática e o surgimento do público político.

No pensamento liberal,  o conceito de democracia  moderna se define pela participação política de seus cidadãos, sendo a eleição de seus participantes o momento  culminante desse processo, através do qual se afirmam  a soberania do povo e os mecanismos de controle do poder.

Ao expor e transportar as decisões do poder até as diversas camadas da opinião pública, a Imprensa  torna efetivamente mais visíveis as demandas e expectativas do público para o poder, abrindo espaço para a formação e expressão de  manifestações capazes de promover e consolidar  vontades individuais e coletivas, sob a forma de maiorias.

O efeito da Espiral do Silêncio

Porém, a reconhecida complexidade que envolve todo processo de formação e expressão dessas maiorias nos atuais contextos social e, principalmente, político, vem estimulando estudos cada vez mais profundos e detalhados  capazes de  traduzir e explicar a forma e as condições de sua manifestação como, por exemplo, o fenômeno da chamada Espiral do Silêncio”. 

Teoria de ciência política desenvolvida na década de 60, a Espiral do Silêncio é uma proposta da cientista alemã Elizabeth Noelle-Neumann sobre os efeitos dos meios de comunicação de massa, como uma hipótese segundo a qual, quanto mais minoritária a opinião dentro de um universo social, maior será a tendência de que ela não será manifestada, como uma espiral que explicita uma dimensão cíclica e progressiva de silêncio.

Cunhado pela cientista alemã, o termo Espiral do Silêncio define as razões pelas quais as pessoas tendem a permanecer silenciosas quando tem a sensação, muitas vezes falsas, de que as suas opiniões e visões de mundo estão em minoria.

Esse modelo proposto pela cientista alemã está apoiado em três premissas básicas:

   As pessoas têm uma intuição ou um sexto-sentido que lhes permite saber qual a tendência da opinião pública, mesmo sem ter acesso a sondagens;

–   As pessoas têm medo de serem isoladas socialmente ou ostracizadas, e sabem qual o tipo de comportamento que poderá contribuir para esse isolamento social; e

   As pessoas apresentam reticências ou até medo em expressar as suas opiniões minoritárias, por terem receio de sofrer o isolamento da sociedade ou do círculo social próximo.

Nesse sentido, quanto mais uma pessoa acredita que a sua opinião sobre um determinado assunto está mais próxima da opinião pública julgada maioritária, maior probabilidade existe que essa pessoa expresse a sua opinião em público.

Porém, se a opinião pública mudar, essa pessoa reconhecerá que a sua opinião já não coincide com a opinião da maioria, e por isso terá menos vontade de expressá-la publicamente.

E, à medida em que a distância entre a opinião dessa pessoa e a opinião pública aumenta, cresce a probabilidade dessa pessoa se calar e se autocensurar.

A maioria silenciosa 

Segundo Noelle-Neumann, os meios de comunicação social são um fator essencial de estabelecimento da Espiral do Silêncio, na medida em que formatam a opinião pública.

Diante dessa opinião pública formatada, as pessoas que não concordam com uma visão politicamente correta emanada da comunicação social, entram em “espiral do silêncio”, constituindo muitas vezes a chamada “maioria silenciosa”.

Atualmente, no mundo ocidental, essa teoria é bastante disseminada e com muito sucesso. No Brasil,  o caso mais expressivo refere-se, certamente, à eleição municipal de São Paulo de 1985, a primeira após o longo processo de redemocratização do País, realizada em turno único e que tinha como candidatos o ex-presidente Jânio Quadros e o então senador Fernando Henrique Cardoso (FHC), considerado favorito em todas as pesquisas prévias de opinião pública.

Porém, abertas as urnas e contados os votos, Jânio Quadros acabou eleito com 4% a mais do que Fernando Henrique Cardoso (FHC), numa das mais contundentes manifestações da teoria da Espiral do Silêncio.

Ungido com esse surpreendente resultado, ao entrar em seu futuro gabinete, o prefeito eleito aproveitou a presença da mídia para gerar um dos fatos mais marcantes do marketing político brasileiro: alegando “ter sido usada por nádegas indevidas”, desinfetou a cadeira que FHC usou para a foto divulgada na véspera pela Folha de S. Paulo!

Os casos no exterior

No plano internacional, também foram registrados casos surpreendentes e típicos do fenômeno da Espiral do Silêncio

Nas eleições presidenciais norte-americanas de 2008, de forma surpreendente e  inesperada, Barack Obama, até então com uma candidatura pouco acreditada, literalmente atropelou dois nomes de peso na política norte-americana, que foram a ex-primeira dama  Hillary Clinton, que à época concorria à indicação do partido democrata para disputar a presidência contra o então respeitado senador John McCain, candidato escolhido pelo partido republicano.

Entre surpresos e incrédulos, os profissionais especializados do marketing político norte-americanos  acabaram surpreendidos pelo fenômeno da  Espiral do Silêncio  que levou à presidência dos EUA, Barack Obama, um personagem até então pouco considerado em suas análises e nas  pesquisas de opinião pública.

Naquela eleição,  ficou evidenciado o poder de sensibilização exercido sobre o eleitorado até então silencioso, a  estratégia desenvolvida a partir da prévia percepção de Barack Obama e de sua competente equipe de campanha, da força das novas tecnologias e ferramentas virtuais  para conexões nas redes sociais, do uso correto e adequado das mensagens através do sistema celular, além do  comprometimento de um corpo  significativo e fortemente engajado de voluntários e de um suporte eficiente  de microfinanciamentos.

Diante desse evento tão real e inesperado, mais uma vez a opinião pública brasileira poderá surpreender as expectativas correntes em relação aos dois candidatos que polarizam hoje as pesquisas para a presidência da República, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o atual presidente Jair Bolsonaro. Quem viver verá!

Comentários e sugestões: [email protected]


(*)  Rafic Ayoub, jornalista pela Faculdade de Comunicação Social Cásper Líbero e pós-graduação em Mídia, Política e Sociedade pela FESPSP – Faculdade Escola de Sociologia Política de São Paulo, é também poeta, dramaturgo e autor do recém-lançado livro  “ Miserere Nobis – Crônicas do Cotidiano”. Atualmente é consultor especializado em Comunicação Corporativa Integrada.


Nota da Redação: O artigo acima é totalmente da responsabilidade do autor, com suas críticas e opiniões, que podem não ser da concordância do jornal e de seus diretores.


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