violência
- Além do temor de serem assaltados, moradores da capital paulista também sentem medo de serem assediados e de não haver justiça para os crimes
- O aumento da circulação de pessoas nas ruas no contexto pós-pandêmico é um primeiro fator que influencia no aumento de registros criminais.
Marcelo Batista Nery, doutor em Sociologia e pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da Universidade de São Paulo (USP), revela que o aumento da circulação de pessoas nas ruas no contexto pós-pandêmico é um primeiro fator que influencia no aumento de registros criminais.
Um outro fator é o cenário de desigualdade econômica estrutural da cidade e que foi reforçada pela pandemia. Apesar da desigualdade socioeconômica e de crimes contra o patrimônio não serem necessariamente uma relação de causa e efeito, o crescimento da violência é uma tendência do reflexo do aumento da fome e de pessoas em situação de pobreza.
Mudança comportamental
Segundo André Vilela Komatsu, doutor em Psicologia e pesquisador do NEV, a onda de medo da violência afeta diretamente os hábitos da população no dia a dia: “As pessoas deixam de sair à rua, você perde acesso à cidade. Você deixa de frequentar determinados bairros, deixa de ir em determinados serviços, justamente por esse medo.” “[As pessoas] acabam em situações de isolamento social. Em situações mais extremas, têm até pessoas com síndrome do pânico. Um excesso de ansiedade”, complementa.
O doutor em Psicologia pontua que o medo não está diretamente ligado à objetividade e que estudos do NEV observam que pessoas que vivem em regiões de baixo registro de crimes frequentemente se sentem mais inseguras do que as que vivem em regiões consideradas mais “perigosas”.
Além disso, atenta para a realidade do aumento das taxas de criminalidade: “Provavelmente você nunca deve ter visto as pessoas falando ‘nossa, está diminuindo a criminalidade’. A gente está sempre com essa impressão de que está aumentando. É por conta da mídia. Isso afeta bastante a nossa conduta”.
Paulo Cesar Endo, professor do Instituto de Psicologia da USP, percebe o preconceito com pessoas de determinadas classes sociais, etnias e raças como um medo inconsciente advindo da sensação de insegurança. Komatsu ratifica: “Tem uma disparidade também nos potenciais suspeitos. As pessoas passam a ser mais favoráveis às medidas mais punitivas, ao uso da força violenta pela polícia ou até mesmo fazer justiça com as próprias mãos”.
O centro paulistano
São Paulo sofre há anos com o esvaziamento do centro da cidade, mesmo sendo uma região rica em serviços, estabelecimentos comerciais, redes de transporte, edifícios históricos e que acolhe imigrantes e pessoas de diversas camadas sociais. O Mapa da Desigualdade de 2020 da Rede Nossa São Paulo aponta que a região central possui a maior taxa de roubos e violência, e bairros como Sé, Bom Retiro e Liberdade estão na lista dos dez piores bairros para se morar na cidade.
“Já teve a presença de uma população com uma renda maior e que exigia uma infraestrutura melhor dos poderes públicos na região central em certo momento da história de São Paulo. E essa população se retirou desse lugar para morar em outros lugares, onde a mobilidade urbana, a habitação se tornaram mais atrativas”, informa Nery.
Ele completa: “Esse esvaziamento em certo momento da história do centro de São Paulo teve alguns reflexos que a gente sente até hoje, como a Cracolândia. Não é por acaso que, do ponto de vista histórico, é o centro da capital paulista que a população já identificou como um lugar problemático com relação à prostituição, à mendicância, ao roubo”.
O pesquisador do NEV também diz que, pelo fato de os bairros centrais contarem com uma população flutuante — que pode transitar a caminho do trabalho ou estudo, mas não necessariamente é moradora —, o número de ocorrências se torna muito maior que em outras localidades.
“Só que sim, a ausência do poder público também é muito importante. Um lugar onde o poder público não cuida, do ponto de vista da vigilância, tende ao criminoso se sentir mais confortável a agir violentamente contra a vítima, a obter o objeto que ele deseja roubar”, esclarece.
Nery adenda que, apesar de não ser possível afirmar que há um abandono do poder público na região central, devido ao zelo com relação a esses ambientes históricos, o poder público não tem agentes de segurança, equipamentos e formação suficiente para fazer um policiamento adequado:
“Normalmente, agentes de segurança pública, como policiais, não têm o mesmo comportamento nas regiões centrais e nas periferias, devido ao contexto social e econômico. E o fato de que esses agentes de segurança também estão na sociedade e, como integrantes da sociedade, têm os seus preceitos e preconceitos”.
Intervenções que não funcionam
Tanto Paulo Endo quanto André Komatsu reconhecem que o armamento da população não é uma alternativa assertiva no combate à alta de violência em São Paulo. “Se criou um discurso de liberar armas para as pessoas se autodefenderem. E aí fica o contrassenso de querer combater a violência usando violência, e a gente sabe que isso não é eficaz de forma alguma”, diz Komatsu.
“Às vezes as pessoas compram armas de forma legal, mas em um assalto perdem essa arma, então aumenta a distribuição de armas ilegais. Aumenta o encarceramento, o uso de táticas violentas, mas não diminui a criminalidade e tampouco o medo das pessoas.”, concluiu.
Segundo Marcelo Nery, os métodos computacionais de vigilância de câmeras e Inteligência Artificial como um elemento de orientação de Segurança Pública e redução da violência são uma boa aposta, mas ainda não há dados suficientes para averiguar o êxito desses métodos: “Os dados coletados pelos agentes de segurança ainda não têm uma boa qualidade que nos permita identificar o que aconteceu, como aconteceu, qual a característica das pessoas envolvidas [nos crimes]. E é fundamental a população compreender isso e dialogar com o poder público para que essa evolução aconteça”.
<<Com apoio de informações/fonte: Jornal da USP/Rádio USP – de Ana Paula Medeiros>>