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Av. Cruzeiro do Sul: de museu a céu aberto a símbolo de descaso com a arte urbana

Uma das pilastras que indentficava o MAAU - Aberto de Arte Urbana de São Paulo - em frente ao Parque da Juventude
Tempo de Leitura: 7 minutos

 

da Redação DiárioZonaNorte

O abandono do Museu Aberto de Arte Urbana de São Paulo (MAAU), localizado nas colunas de sustentação da Linha 1 Azul do Metrô, na Avenida Cruzeiro do Sul – Zona Norte — região da cidade considerada como berço do grafite paulistano desde os anos 1980 e 1990 —- é um retrato da negligência com a arte urbana na capital paulista, com destaque nas últimas gestões do governo municipal.

Inaugurado em 2012, concebido e reconhecido como primeiro do gênero no Brasil e no mundo, hoje encontra-se praticamente esquecido. O que era uma vitrine a céu aberto do trabalho de artistas-grafiteiros renomados, transformou-se em um espaço entregue ao tempo, à sorte e à falta de manutenção. O coletivo/entidade MAAU foi reconhecido pelo  Ministério da Cultura , com a contribuição cultural e acesso à comunidade.

O espaço que já foi destaque no circuito cultural e atraiu milhares de visitantes, teve sua  última revitalização em 2017. Depois disso, não houve qualquer tipo de manutenção significativa, resultando em mais de 40% das obras danificadas ou apagadas por pichações e intempéries. Segundo coletivos locais, o abandono deixou as obras irreconhecíveis.

O MAAU logo após a inauguração na Av. Cruzeiro do Sul. (Foto:Secom)
Degradação

De responsabilidade da Secretaria Municipal da Cultura, nos últimos anos, o MAAU vem enfrentando um cenário de degradação alarmante: 33 colunas da Linha 1-Azul do Metrô – entre as estações Portuguesa-Tietê e Santana – que serviram de telas aos artistas – estão cobertas de pichações, sujeira por todos os lados, com cartazes de propaganda colados sem qualquer respeito à Lei Cidade Limpa – que é outro sério problema ignorado pelas últimas gestões municipais e na continuação com a atual.

Muitas vezes, pessoas em situação de rua que circulam entre as colunas, utilizam os grafites como pano de fundo para suas barracas, pertences, ou mesmo como encosto para as suas fogueiras em improvisados fogões, atingindo diretamente os grafites. Os ciclistas até deixaram de usar a ciclofaixa que faz o entorno das pilastras junto ao que sobrou dos grafites.

Cruzeiro do Sul Museu Céu Aberto
Grafite todo manchado, com cartaz de publicidade, mais os paralelepípedos anti-morador de rua
Poder público

A Secretaria Municipal da Cultura – ou mesmo outra secretaria ou órgão municipal – não deve nem saber da atual situação que se encontra o trabalho que envolveu vários e renomados artistas-grafiteiros e que, para acontecer, recebeu financiamento público. A Prefeitura de São Paulo e o próprio Metrô permanecem inertes diante desse cenário.

Essa inércia não apenas agrava a degradação do espaço, mas também compromete o potencial cultural, comercial e turístico do local, que poderia ser um ponto de valorização para a cidade, um contrassenso da mesma Prefeitura de São Paulo que está investindo cerca de R$ 1 milhão no Boulevard da Rua Leite de Moraes, ao lado da Av. Cruzeiro do Sul e do MAAU,  em Santana.

Cruzeiro do Sul Museu Céu Aberto
Obra da Coruja manchada e com propaganda colada
De olho na Av. Cruzeiro do Sul

Por outro lado, a Guarda Civil Metropolitana (GCM), que tem como uma de suas funções básicas a proteção do patrimônio público municipal, bens, serviços e instalações da capital paulista, ignora o local que está fora do dia a dia da corporação. 

Em um passado recente, a comunidade propôs a instalação de uma Base de Segurança da GCM na Avenida Cruzeiro do Sul, que chegou a ser parcialmente construída, mas foi posteriormente demolida.

Em um mundo tecnológico, inclusive com câmeras de reconhecimento facial pelo sistema Smart Sampa controlado pela própria GCM, os grafites também carecem de proteção específica.

Estruturas como as polêmicas grades propostas pelo Metrô, em 2012 poderiam ser implementados para afastar vândalos e garantir a preservação da arte, oferecendo respeito ao trabalho dos artistas-grafiteiros.

Cruzeiro do Sul Museu Céu Aberto
Obras de grafite irreconhecíveis
O início

O MAAU, inaugurado em 2011, surgiu como uma iniciativa pioneira para valorizar a arte urbana. Grafiteiros renomados como Binho Ribeiro e Chivitz, que puxaram a ideia e, como idealizadores, mobilizaram outros 58 artistas-grafiteiros, que transformaram a Avenida Cruzeiro do Sul em uma galeria a céu aberto.

Cruzeiro do Sul Museu Céu Aberto

Mural de grafites atrás do Shopping Center Norte, na Vila Guilherme

Um exemplo de mural 

A negligência com o MAAU contrasta com a situação de outros grafites na cidade, como os realizados na Avenida Moyses Roysen, na Vila Guilherme (Zona Norte). Ali, as 300 metros de paredes atrás da área do Shopping Center Norte receberam diversas 60 intervenções artísticas que, incrivelmente, permanecem mais conservadas do que em outras regiões da cidade.

Esses grafites demonstram que, com o devido cuidado, é possível preservar e valorizar a arte urbana. Agora, essas obras artísticas serão ainda mais valorizadas com a Praça Mashiach Now revitalizada e com muitos atrativos, junto à Av. Zacki Narchi. Ou ainda como um muro no Jardim São Paulo que tem o patrocínio do Sesc Santana, com obras de artistas-grafiteiros.

Arte urbana em colapso

O descaso com o MAAU e outros espaços similares não é um caso isolado. Em maio de 2017, na região do Tucuruvi, um muro de 80 metros na Rua Moacyr Vaz de Andrade recebeu o 1º Mural com a inauguração do Museu de Arte de Rua (MAR), que foi criado durante a gestão de João Doria, segue o mesmo destino – e sobraram os resquícios de uma época. Agora o governo municipal criou sua continuidade, sem olhar para trás.         . 

Cruzeiro do Sul Museu Céu Aberto
O prefeito João Dória inaugura o Museu de Arte de Rua no Tucuruvi e faz sua arte.

Com 23 obras de 20 artistas-grafiteiros, teve até o patrocínio dos sprays com tinta Colorgin e um apoio financeiro do governo municipal da época.

Inicialmente, o projeto trouxe cores vibrantes e revitalizou parte do bairro, mas, sem manutenção contínua, as obras perderam o brilho, cobertas por sujeira, pichações e o desgaste natural do tempo.

A promessa de transformar o local em um polo de arte e cultura foi esquecida, deixando os moradores com mais um exemplo de projetos mal geridos.

Beco do Batman, o exemplo

A negligência com esses museus contrasta ainda com a efervescência de outros espaços dedicados à arte urbana em São Paulo. O Beco do Batman, na Vila Madalena, é um exemplo bem-sucedido de como a manutenção e o apoio da comunidade podem transformar o grafite em um atrativo turístico.

Ali, obras de artistas renomados como OsGêmeos e Kobra continuam atraindo visitantes de todo o mundo. No momento, criou-se ali o projeto Grafitti Prá Cego Ver, unindo a arte urbana com acessibilidade. Murais sensoriais com texturas tridimensionais, braille e descrições áudiotáteis.

Beco do Batman perpetuando momentos, abrindo espaço cultural e de lazer. (Foto: divulgação)

A cena de arte urbana paulistana também inspirou iniciativas semelhantes em outras capitais brasileiras, como Porto Alegre, Belo Horizonte e Curitiba, além de diversas cidades menores. Projetos de museus a céu aberto e intervenções urbanas proliferaram, espelhando-se no exemplo de São Paulo, ainda que nem sempre com o mesmo impacto ou continuidade.

Sem controle da realidade

A Secretaria Municipal da Cultura mostra que desconhece a situação dos grafites na cidade. Nesta 6ª.feira (17/01/2025), a Secretaria Especial de Comunicação (Secom) enviou à Imprensa um release intitulado “Museu de Arte de Rua: murais transformam a cidade em uma galeria a céu aberto“.

O material destaca que o projeto, criado em 2017, já possui 510 obras espalhadas pela capital, com o objetivo de fortalecer e reconhecer as artes urbanas. E ainda faz o lançamento de um edital para nova edição em 2025 do Museu de Arte de Rua (MAR)  convocando  as inscrições de artistas interessados.

Desde seu lançamento, foram mais de 1.240 propostas artísticas e, em 2024, 579 inscrições, com 64 artistas selecionados e R$ 4,2 milhões investidos. A iniciativa visa impulsionar a economia criativa, promovendo mais produtos artísticos e revitalizando espaços públicos.  No texto, nenhuma linha foi dedicada ao espaço das obras do MAAU em Santana.

Obra destruída ao lado de uma barra de morador de rua
Os desafios do grafite em São Paulo

Apesar disso, grafites que embelezam e transformam a cidade convivem com pichações desordenadas que emporcalham o cenário urbano. Esse contraponto reflete a ausência de uma gestão cultural consistente e de iniciativas que estimulem a educação e a consciência sobre a diferença entre arte urbana e vandalismo. No caso da pichações, não há uma fiscalização ativa e constante da GCM.

A degradação dos museus de arte urbana em São Paulo não é apenas uma questão estética; é um sintoma da falha das gestões municipais em compreender a importância cultural e social desses espaços. A falta de manutenção não apenas compromete as obras, mas também desmotiva artistas e desvaloriza a experiência cultural oferecida à população.

O preto tomou totalmente o grafite que ali estava
Ainda há esperança

É essencial que as autoridades invistam nas revitalizações e na segurança desses espaços. Isso inclui a implementação de parcerias com a iniciativa privada e a comunidade artística, além de políticas culturais que assegurem a manutenção contínua das obras e a promoção de novos projetos.

As revitalizações do MAAU e do MAU  são necessárias – convocando os artistas para refazerem as obras – não devem ser vista apenas como um compromisso com a arte, mas como uma oportunidade de transformar a cidade, valorizando sua identidade cultural e atraindo visitantes.

Somente com um olhar atento das autoridades e o apoio da sociedade civil será possível resgatar esses museus a céu aberto do esquecimento e devolver-lhes o papel de destaque na paisagem urbana de São Paulo.

No meio da sujeira a pilastra informa:Museu Aberto de Arte Urbana (MAAU)

Veja os desenhos originais de 2018/2019 e mais detalhes no Facebook oficial do Museu Aberto de Arte Urbana de São Paulo (MAAU): clique aqui 


Álbum / portifólio — Veja mais fotos do MAAU na Zona Norte  clicando na foto para expandí-la:

 

 

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