por Aguinaldo Gabarrão (*)
É comum, no Natal e em outras datas comemorativas ligadas ao cristianismo, a exibição de filmes relacionados às personagens bíblicas. E, certamente, Jesus é a figura mais presente.
Centenas de filmes foram realizados sobre essa figura emblemática e, até hoje, o de maior sucesso foi “Jesus de Nazaré”.
Produzido no formato de minissérie para a televisão em 1977, com duração total de seis horas, a repercussão internacional ainda garantiu uma versão compacta para os cinemas. Mas por qual razão a minissérie cativou tanto o público?
O formato para televisão, veículo com grande capilaridade, isoladamente não explica o estrondoso sucesso. Outros elementos importantes devem ser considerados.
Um deles é o fascínio do público, independente de crenças, pela personalidade do Cristo e sua história: um homem idealista, contra um mundo bárbaro, que prega a mudança interior como forma de libertação.
Mas qual foi o caminho trilhado pelo cinema para trazer às diferentes gerações de público a visão conceitual dessa complexa personalidade do Novo Testamento, e que garantiu o apreço ou o repúdio do público?
A concepção dos diretores
É provável que o primeiro filme realizado sobre o Cristo tenha sido produzido em 1898 pelos inventores do cinema, os irmãos Lumière.
A produção, de apenas dez minutos de duração, intitulada “La Passion” (A Paixão), apresentava recortes das passagens mais relevantes de sua vida, algumas como se fossem quadros da Via Sacra.
Em Gólgota (1935), na versão do diretor Julien Duvivier, Jesus é um ser etéreo que parece não coabitar este mundo. O olhar do ator (Robert Le Vigan) está sempre além do que acontece à sua volta, reforçando o aspecto celestial de sua natureza.
Já em Rei dos Reis (1961), o diretor Nicholas Ray escala Jeffrey Hunter para externar a singularidade espiritual do “cordeiro de Deus” por meio da beleza física do ator.
A ruptura mais radical é bancada pelo cineasta Norman Jewison com o underground e inovador “Jesus Cristo Superstar” (1973), um musical surpreendente produzido no contexto da contracultura, com um Cristo interpretado pelo músico Ian Gillan, vocalista à época da banda Deep Purple.
Mais de uma década depois, Martin Scorsese adapta o livro de Nikos Kazantzákis (1883–1957) e apresenta no desempenho do ótimo Willem Dafoe, um Jesus torturado pelo dilema de seu suposto amor carnal por Maria Madalena em “A Última Tentação de Cristo” (1988).
No ano de 2004, Mel Gibson escreve e dirige “A Paixão de Cristo”. Sua defesa enfática está no conceito medieval da Divindade sacrificial de Jesus, baseada na sua capacidade de suportar a tortura física e psicológica em grau inimaginável para um ser humano: o filme espirra sangue por toda a tela e vai muito além do que os próprios evangelhos descrevem.
O Jesus de Zeffirelli
O diretor Franco Zeffirelli (1923–2019), ao aceitar o convite do produtor Lew Grade (1906–1998), muito provavelmente conhecia algumas dessas versões cinematográficas sobre a vida de Jesus.
Católico fervoroso – ele teria sido recomendado ao produtor pelo Papa Paulo VI –, seu currículo incluía um Oscar de Melhor Diretor por Romeu e Julieta (1968) e o bem-sucedido “Irmão Sol, Irmão Lua” (1972), sobre a vida de São Francisco de Assis.
Ele reuniu roteiristas de peso que se debruçaram nos quatro evangelhos (Marcos, Mateus, João e Lucas), assessorados por estudiosos do Vaticano e de outras religiões.
O orçamento de superprodução – as informações controversas estimam valores entre US$ 12 e US$ 45 milhões – trouxe uma ótima equipe de produção e um elenco estelar para contar a trajetória de Jesus, desde o período anterior ao seu nascimento até a sua “ressurreição”.
As filmagens começaram em setembro de 1975 e foram até maio de 1976, com locações na Tunísia e no Marrocos. Para interpretar Jesus, foram cogitados Al Pacino e Dustin Hoffman, mas a escolha de Zeffirelli acabou sendo o desconhecido ator britânico Robert Powell.
O humano e o divino
Sua interpretação é arrebatadora e mais próxima de um ser humano comum, sem menosprezar a essência divina reforçada pelo diretor. Para tanto, a equipe de maquiagem utilizou delineadores para valorizar os olhos azuis de Powell, e Zeffirelli orientou o ator para que evitasse piscar em cada take – tudo isso para ressaltar o aspecto magnético e catalizador.
Zeffirelli recusou-se a utilizar efeitos especiais nos “milagres” produzidos por Jesus. Os fenômenos acontecem de acordo com uma dinâmica que se sustenta na força moral da personagem.
As escolhas do diretor reforçaram no imaginário do público a ideia de que aquela representação do Cristo, de semblante europeu – tão comum em pinturas renascentistas – correspondia ao homem que caminhou há mais de dois mil anos por este mundo.
Isso ajudou a popularizar ainda mais essa concepção física de Jesus, de tal forma que é comum encontrar, atualmente, imagens do Cristo com o rosto do ator Robert Powell em templos religiosos, grafites em muros de casas, nas boleias de caminhões e até em tatuagens nos braços de muita gente mundo afora.
O filme “Jesus de Nazaré” não é a obra definitiva sobre uma personalidade tão exuberante e incompreendida. Certamente, o futuro trará outros tantos diretores, de países, culturas e olhares filosóficos – provocadores ou não – mas sempre bem-vindos para ampliar a reflexão quanto ao sentido da existência de Jesus e de seus ensinamentos, que reverberam nos séculos.
Assista no link abaixo a versão completa de 6 horas disponível no Youtube:
Serviço
JESUS DE NAZARÉ
- Título Original: (Italiano) Gesù di Nazareth
- Gênero: Drama
- País: Itália, Reino Unido
- Classificação: 12 anos
- Duração: 6 horas e 15 minutos
- Ano: 1977
Direção: Franco Zeffirelli / Roteiro: Anthony Burgess, Suso Cecchi d’Amico, Franco Zeffirelli / Elenco: Robert Powell, Anne Bancroft, Ernest Borgnine, Claudia Cardinale, Valentina Cortese, James Farentino, James Earl Jones, Stacy Keach, Tony Lo Bianco, James Mason, Ian McShane, Laurence Olivier, Donald Pleasence, Christopher Plummer, Anthony Quinn, Fernando Rey, Ralph Richardson, Rod Steiger, Peter Ustinov, Michael York, Olivia Hussey, Cyril Cusack, Ian Holm, Yorgo Voyagis, Isabel Mestres, Ian Bannen, Marina Berti, Regina Bianchi, Maria Carta, Lee Montague, Renato Rascel, Oliver Tobias, Simon MacCorkindale, Lorenzo Monet / Direção de Fotografia: Armando Nannuzzi / Montagem: Reginald Mills / Figurinos: Marcel Escoffier e Enrico Sabbatini / Trilha Sonora: Maurice Jarre / Music Played by The National Philharmonic Orchestra / Produção Tunísia: Tarak Ben Ammar / Produção: Vincenzo Labella, Lew Grade / Produtoras: ITC Entertainment, RAI.
(*) Aguinaldo Gabarrão – ator e consultor de treinamento corporativo e de projetos. Um eterno colaborador do DiárioZonaNorte.
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