por Ricardo Castilho (*)
Sabe porque você está sendo crucificado no altar da insensatez humana? Porque você é preto. Um preto, Vinicius, tem de ser subserviente, respeitar a hierarquia. Sim, senhor. Sabe a história da Casagrande & Senzala? Você é da senzala. As pessoas, brancas, e até mesmo negros e negras em posição social privilegiada, têm um certo frisson quando expostas a situações assim.
A verdade, garoto, nua e crua, é que, muito além das reflexões éticas e culturais que têm se intensificado nos últimos anos, a deliberada, insana e reiterada afronta racista e discriminatória de que você vem sendo vítima, representa a permanência de uma atitude abjeta que lamentavelmente não ocorre apenas na Espanha, mas que vimos ser escancarada diariamente Brasil afora.
Ser negro em nosso país, Vinicius, é carregar a culpa na própria pele, como se ela fosse carimbo inapagável que a associa à criminalidade, por sua vez, um dos ranços característicos da escravidão. É assustador. É o surreal impondo a abjeta face da estupidez humana. Mais triste e lamentável ainda é constatar que tal tipo de repulsa já não se manifesta de forma sub-reptícia, segregada em guetos.
Agora, ela chega ao incrível paroxismo que nos leva a compará-la com aquela geringonça científica que ficou conhecida como moto perpétuo, um sistema mecânico imaginário que não precisa de combustível ou energia para continuar a mover um motor de maneira contínua e eterna.
Pode parecer uma comparação descabida, mas serve para ilustrar a necessidade urgente de estancar esse movimento imoral e desprezível, antes que seja inevitável. Como fazê-lo? Eis a questão.
Já vimos que o discurso polido, a solicitação civilizada, as propostas de campanhas educacionais, nada disso tem funcionado. As ações devem ser sincronizadas. É preciso que as várias instâncias ligadas ao esporte, à cultura e à educação desenvolvam programas, projetos e protocolos que funcionem simultaneamente, com severa e permanente vigilância.
A mídia também deve fazer a sua parte. Afinal, estamos falando de torcedores de má índole, desumanos, intolerantes e criminosos, que só vão interromper esse moto perpétuo do racismo nojento quando sentirem punições severas e radicais.
Não parece coincidência que a ascensão da violência nos estádios de futebol tenha sido justamente na Inglaterra. Afinal, é o berço do futebol. Aparentemente, porém, não temos aprendido nem mesmo depois que os ingleses decidiram dar um basta aos “hooligans”, punindo clubes, levando para a cadeia e afastando dos estádios de futebol os seus torcedores violentos.
É inadmissível, repito, é inadmissível que, seja nas arenas esportivas ou em qualquer outra dependência de uso público, o negro continue carregando esse fardo de subserviência, como se tudo fosse motivo para lembrá-lo do seu lugar nessa desajustada escala social em que o Brasil foi estruturado.
(*) Ricardo Castilho — advogado, escritor, professor pós-doutor em Direito pela USP e pela Universidade Federal de Santa Catarina, diretor-presidente da Escola Paulista de Direito (EPD).
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