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da Redação DiárioZonaNorte
Uma ação conjunta da Secretaria de Inspeção do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego com o Ministério Público do Trabalho (MPT-RS), Defensoria Pública da União (DPU), a Polícia Federal (PF) e a Polícia Rodoviária Federal deflagrou ação de combate ao uso de mão de obra análoga ao de escravo na colheita de uva e em vinícolas em Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul.
A atividade teve início na noite de 4ª feira (22/02/2023), após uma denúncia de trabalhadores que teriam fugido de um alojamento, onde estariam sendo agredidos pelo empregador e sem receber salários. A fiscalização culminou no resgate de 208 trabalhadores, com idades entre 18 e 57 anos.
Fiança
Conforme informado pelo Auditor do Fiscal do Trabalho Vanius João de Araújo Corte, toda essa mão de obra trabalhava para as vinícolas Aurora, Cooperativa Garibaldi e Salton durante a safra da uva na Serra Gaúcha, através de contrato com uma empresa terceirizada de propriedade de Pedro Augusto de Oliveira Santana. O dono da empresa chegou a ser preso e, pagou fiança no valor de R$ 40 mil e foi liberado.
Zona Norte
A Salton especificamente, tem uma ligação com a Zona Norte da cidade de São Paulo, já que durante anos manteve a fábrica do conhaque Dreher e um escritório no bairro do Jardim São Paulo e Ângelo Salton foi homenageado com uma praça, onde ficava a antiga sede da Escola de Samba X-9.
Crédito: Ministério Público do Trabalho do Rio Grande do Sul
A fiscalização encontrou um cenário de péssima situação, com cerca de 215 trabalhadores apinhadas num alojamento, sem segurança, higiene e sofrendo ameaças dos empregadores, inclusive agressões com uso de choques elétricos (tasers) e spray de pimenta, que eram usados contra os trabalhadores, que teriam saído da Bahia com a promessa de receber por dois meses de trabalho cerca de R$ 4 mil reais, além de alimentação e acomodação, passagens de ida e volta.
“Como foram recrutados na Bahia, já vieram na viagem para o local de trabalho com dívidas de alimentação e transporte. Fora isso, todo o consumo deles no alojamento era anotado num caderno do mercado local, que vendia os produtos a preços extorsivos. Um pacote de um quilo de feijão custava R$ 22,00. Além disso, eles relataram que iniciavam o trabalho as quatro da manhã e iam até as oito ou nove horas da noite, numa jornada extremamente exaustiva”, relatou Corte.
Os trabalhadores relatam ainda terem recebido agressões físicas, oferta de alimentos estragados, longas jornadas de trabalho e atrasos no pagamento dos salários, além de serem coagidos a permanecer no local, sob pena de pagar multa por quebra de contrato.
“Eles não estavam recebendo salários, com dívidas permanentes e em situação degradante, caracterizando o trabalho análogo ao de escravo. Todos foram então resgatados e ouvidos um a um pela fiscalização para que fosse calculado o valor devido para cada trabalhador e pagamento das indenizações trabalhistas pelos direitos negados. Os representantes das empresas que contrataram essa mão de obra já se propuseram a realizar os pagamentos na próxima semana”, informou o auditor fiscal.
Os alojamentos foram interditados de imediato pelas condições apresentadas e os trabalhadores retirados do local e encaminhados para um ginásio disponibilizado pela prefeitura de Bento Gonçalves, com colchões e outros equipamento.
Alerta na Cadeia Produtiva da Uva
“A situação verificada acende um alerta sobre a necessidade de atuação focada em toda a cadeia produtiva da uva, que todo ano atrai para a serra gaúcha diversos trabalhadores em busca de emprego e melhoria de condição de vida. No entanto, nem sempre é isso que ocorre, como visto durante a operação deflagrada. O MPT continuará atuando para garantir que as situações verificadas não se repitam”, salientou a procuradora Franciele D’Ambros – do Ministério Público do Trabalho do Rio Grande do Sul
De volta para casa
Na noite de 6ª feira (24/02/2023), os trabalhadores receberam parte das suas verbas rescisórias e foram enviados de volta para seu Estado natal em quatro ônibus fretados, com garantia de custeio da alimentação durante o trajeto. Apenas 12 dos resgatados permaneceram no Rio Grande do Sul, por serem aqui residentes ou por não terem manifestado interesse em retornar.
Verbas rescisórias podem ultrapassar R$ 1 milhão
Como forma de adiantar o pagamento das verbas rescisórias aos resgatados, foi negociado com o proprietário da empresa contratante um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) Emergencial garantindo que cada trabalhador recebesse R$ 500,00 em dinheiro.
O restante das verbas devidas será quitado até a 3ª feira (28/02/2023) por ordens de pagamento, pix, transferências bancárias ou consignação. Está estabelecido no TAC que o empresário deverá apresentar a comprovação dos pagamentos sob pena de ajuizamento de uma ação civil pública por danos morais coletivos, além de multa correspondente a 30% do valor devido.
Até o momento, estima-se que o cálculo total das verbas rescisórias ultrapasse R$ 1 milhão. O custo do transporte dos trabalhadores de volta à Bahia também ficou sob responsabilidade do contratante.
Os valores desembolsados pela empresa contratante, segundo o TAC, também não quitam os contratos de trabalho, nem importam em renúncia de direitos individuais trabalhistas, que poderão ser reclamados pelos trabalhadores.
Ao longo da semana, será designada audiência com a empresa empregadora e com as vinícolas tomadoras para prosseguimento da negociação de indenizações individuais e coletiva e também para fixação de obrigações que previnam novas ocorrências.
“Os próximos passos são acompanhar o integral pagamento dos valores devidos aos trabalhadores, estabelecer obrigações para prevenir novas ocorrências com relação a esse grupo de empresas intermediadoras. Com relação às empresas tomadoras é preciso garantir reparação coletiva e medidas de prevenção, já foram instaurados procedimentos investigativos contra as três vinícolas já identificadas”, afirmou a procuradora Ana Lucia Stumpf González – coordenadora da unidade do MPT em Caxias do Sul.
Lembramos que, as investigações ainda estão em curso e que existem indícios de outras empresas – ainda não reveladas, que contrataram o mesmo serviço.
O que dizem as vinícolas
Em notas, as vinícolas disseram desconhecer a situação dos trabalhadores. Seguem as íntegras:
Nota da Aurora
“Em respeito aos seus associados, colaboradores, clientes, imprensa e parceiros, a Vinícola Aurora vem à público para reforçar que não compactua com qualquer espécie de atividade considerada, legalmente, como análoga à escravidão e se solidariza com os trabalhadores contratados pela terceirizada Oliveira & Santana.
As vítimas são funcionários da Oliveira & Santana, empresa que prestava serviços às vinícolas, produtores rurais e frigoríficos da região.
A Aurora já se colocou à disposição das autoridades para quaisquer esclarecimentos e está prestando apoio às vítimas. A companhia também está trabalhando em conjunto com o Ministério Público Federal e com o Ministério do Trabalho para equalizar a situação em busca de reparo aos trabalhadores da Oliveira & Santana.
A vinícola está tomando as medidas cabíveis e reitera seu compromisso com todos os direitos humanos e trabalhistas, assim como sempre fez em seus 92 anos. Ratifica ainda que permanece cumprindo com suas obrigações legais e com a sua responsabilidade também perante ao valor rescisório a cada trabalhador contratado pela Oliveira & Santana.
A Aurora conta com 540 funcionários, todos devidamente registrados e obedecendo a legislação trabalhista. Porém, na safra da uva, dentro de um período de cerca de 60 dias, entre janeiro e março, a empresa depende de um grande número de trabalhadores, se fazendo necessária a contração temporária para o setor de carga e descarga da fruta, devido à escassez de mão de obra na região.
Quanto à empresa terceirizada, cabe esclarecer que a Aurora pagava à Oliveira & Santana um valor acima de R$ 6,5 mil/mês por trabalhador, acrescidos de eventuais horas extras prestadas. A terceirizada era a responsável pelo pagamento e pelos devidos descontos tributários instituídos em lei. A Aurora também exigia os contratos de trabalhos da equipe que era alocada na empresa.
Todo e qualquer prestador de serviço da Aurora, da mesma forma que os funcionários, recebe alimentação de qualidade durante o turno de trabalho, como café da manhã, almoço e janta, sem distinções.
A vinícola também oferecia condições dignas de trabalho no horário de expediente e os gestores responsáveis desconheciam a moradia desumana em que os safristas eram acomodados pela Oliveira & Santana após o período de trabalho.
Por fim, ratificando seu compromisso social, a Aurora se compromete em reforçar sua política de contratações e revisar os procedimentos quanto à terceiros para que casos isolados como este nunca mais voltem a acontecer”.
Nota da Garibaldi
A Cooperativa Vinícola Garibaldi protagoniza uma história de 92 anos de atuação, credibilidade e compromisso com a valorização das pessoas. Esse ideal está intrínseco no propósito cooperativista que deu origem ao negócio e, principalmente, segue norteando diariamente todas as práticas da Cooperativa Vinícola Garibaldi, inclusive na sua relação com os mais de 450 associados, pequenos produtores de agricultura familiar, e dos mais de 200 colaboradores diretos.
Alinhada com esses valores, a Cooperativa Vinícola Garibaldi repudia qualquer prática que afronte o respeito ao ser humano ou comprometa sua integridade. Isso está explicitado em seu Código de Cultura, que contempla, ainda, um canal de ética (para denúncias), disponível em vários meios de comunicação da Cooperativa e amplamente divulgado entre as partes interessadas. Encontrado também no site – www.vinicolagaribaldi.com.br
Com surpresa e indignação, a vinícola recebeu as denúncias de práticas análogas à escravidão exercidas por uma empresa terceirizada, contratada para suprir a demanda pontual e específica do descarregamento de caminhões no período da safra da uva. Prontamente, a Cooperativa Vinícola Garibaldi encerrou o contrato de prestação de serviço e colocou-se integralmente à disposição das autoridades competentes para colaborar de todas as formas com as investigações necessárias. Assim pretende seguir até a completa elucidação dos fatos, confiando no exercício da justiça e no respeito à responsabilidade social.
Da mesma forma, presta solidariedade aos vitimados pelo ocorrido e a seus familiares, reiterando que de forma alguma compactua com as práticas denunciadas e jamais aceitará tais conduções em suas relações de trabalho.
Importante salientar que, nesses menos de 30 dias de contrato prestando serviço na Cooperativa, o tratamento foi igualitário aos funcionários diretos, atendendo a todas as normas de convívio valorizadas pela Garibaldi, dentre as quais os horários, treinamento, segurança, refeições, etc., além do atendimento a todas as questões legais pertinentes.
Com a transparência que sempre conduziu suas relações, a Cooperativa Vinícola Garibaldi permanece à disposição da sociedade e das autoridades envolvidas no caso.
Nota da Salton
A Família Salton repudia veementemente e não compactua com nenhum tipo de trabalho sob condições precárias, análogas à escravidão. A empresa e todos os seus representantes estão solidários a todos os trabalhadores e suas famílias, que foram tratados de forma desumana e cruel por um prestador de serviço contratado.
Reforçamos que todas as informações foram verificadas antes da contratação do fornecedor. Entretanto, trata-se de incidente isolado e a Família Salton já está tomando medidas cabíveis frente ao tema, além de ser colocar à disposição dos órgãos competentes para colaborar com o processo.
A empresa salienta que já está trabalhando para intensificar os controles de contratação, prevendo medidas mais austeras em todo e qualquer contrato de serviços terceirizados. Prevê ainda a associação e parcerias com órgãos e entidades do setor para melhorar a fiscalização de práticas trabalhistas.
Com um legado de 112 anos, a Família Salton é referência em sustentabilidade e signatária do Pacto Global da ONU e realiza projetos que refletem diretamente a responsabilidade social da empresa e seu compromisso como empresa cidadã.
Boicote
A situação prejudica todos os produtores brasileiros, que tem sua conduta colocada em dúvida. Dizer que não sabia não exime nenhuma das empresas de responsabilidade, apesar da fiscalização não ter ocorrido nas dependências das vinícolas.
A repercussão nas redes sociais foi imediata, com consumidores conclamando outros a boicotarem os produtos das três empresas, como mostram os comentário nos posts nos perfis do Instagram da Aurora, Salton e Garibaldi – reproduzidos acima.
<Com apoio de informações: Imprensa Ministério do Trabalho do Governo, Ministério Público do Trabalho do Rio Grande do Sul, Polícia Federal>
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