história
por Toninho Macedo (*) – Reflexões – 15
Há cerca de 20 anos, quando fervilhavam discussões sobre uma surgente Cultura de Paz, um conceito então inusitado, água fresca no “cadinho” temperado com a nossa costumeira Cultura da Violência, a certa altura, como estamos presenciando neste momento, o acirramento dos embates entre esses “dois polos”. Chegamos, em certo momento, ao anúncio de um toque de recolher imposto pelo PCC à cidade de São Paulo.
Efetivamente a história insiste em se repetir.
Nos meus arquivos de então ficou, entre outros, este texto de um “diálogo” com um policial (*), participante do grupo, no qual a gentileza era uma marca.
Aqui o compartilho como contribuição para entendermos este tempo presente.
Caro Fernando,
Bom dia! Primeiramente, obrigado pelo tratamento afetuoso- Isto ajuda-nos a revelar o humano nos humanos. E isto é o que se vem buscando fazer há muito tempo: Despertar o humano nos seres humanos.
Árdua tarefa!…
E esta é a tarefa que venho me impondo, de forma especial nos últimos anos, junto aos grupos de reflexão e ação que tenho ajudado a constituir: Comitê Paulista para uma Década de Cultura de Paz/Um programa da UNESCO, Conselho Parlamentar para a Cultura de Paz, e grupos inter-religiosos.
As nossas posições pelo desarmamento não são “ideológicas”, partidárias. São humanistas, éticas, filosóficas…”ideais” que parecem contar pouco neste momento.
Ao encaminhar mensagens (E sempre o faço em pequenas “redes de conversação”), mais do que convencer pessoas sobre posições a serem adotadas no referendo (ainda que sabendo de extrema importância o momento que se avizinha), temos nos pautado pelo convite a uma reflexão e tomadas de posição diuturnas.
Busco analisar, com a maior tranquilidade que minhas limitações pessoais o permitem, as posições e informações e discussões as mais variadas (Como as expressas pelo Jornalista no texto anexo) (*). Com respeito. Sem piadas ou brincadeiras: Assim creio-me mais condizente com minha condição de humano, ainda que imperfeito.
Não estou conectado a partidos, igrejas, grupos de interesses. Não tenho pretensões políticas- Meu compromisso é com a vida. Que há de mais precioso e importante do que a vida?!
Sugiro, Fernando, que por uma questão de isenção, não partidarize as discussões presentes: Elas antecedem e superam as idéias, as intenções e ações daqueles que estão no poder. Possuem lastro que, com isenção, é possível ir sendo reconhecido através de um longo recuo histórico. E neste longo recuo é possível ver sua “sobrevivência” em meio, sempre, a um pegajoso rastro de sangue.
Compromisso com a vida, com uma vida plena. Neste sentido tenho me aproximado daqueles que assim se disponham a fazer, juntos, essa nossa fugaz “travessia”.
Busco entender, caro Fernando, as motivações que levaram, e levam, os humanos a desenvolver máquinas de tortura.
Erich Fromm em sua “Anatomia da destrutibilidade humana” nos mostra, de forma convincente, que esta tendência à “necrofilia” não é natural aos humanos. Ao contrário, nossa tendência natural é para a “biofilia”.
Bem sei que as ditaduras não são “seres concretos”, não se exibem por aí. Existem por obra e graça daqueles (Digo aqui pessoas) que acreditam no poder e o exercem contra seus semelhantes e o meio que nos possibilita.
E foi por isto que encaminhei o arquivo das “máquinas de tortura”. Não importam suas motivações ideológicas.
O que nos importa refletir é que na motivação e idealização de tais máquinas, em sua construção, operação, no sádico exercício de “criatividade” e engenhosidade estavam sempre outros seres humanos. De forma paradoxal só o ser humano é capaz de sadismo.
E sobre isto nos interessa refletir. Interessa a todos aqueles que estejam em busca da construção de um mundo mais solidário, efetivamente humano (“domínio dos humanos”), não importando os demais interesses que “escorreguem” por cima.
Temos, sim, que baixar as nossas “guardas” – e isto nos custa muito- para analisarmos com a maior tranquilidade possível, e acima de quaisquer outros interesses, aquilo que seja melhor para a construção que pretendemos. (E é interessante lembrar que, paradoxalmente, é prerrogativa dos humanos refletir sobre o que falam e fazem).
Bem Fernando, peço-lhe que não tome minhas considerações além do que me esforcei por deixar claro no correr destas linhas. Esforço-me por colocar o respeito e o bem querer acima de tudo. E assim espero ter-me comportado.
Forte abraço do sempre
Toninho Macedo
Janeiro de 2003
(*) Aqui um excerto de um seus argumentos, em que expõe, com educação, sua “crença”:
Meu querido amigo
A capacidade do ser humano para destruir é realmente infinita. Quanto a questão do desarmamento vale lembrar que a certeza de impossibilidade das vítimas só aumenta a sanha assassina desses covardes. Também saliento que os métodos citados em seu texto sempre foram instrumentos das ditaduras, dos governos e dos sacros poderes.
(*) Suprimido para esta publicação.
Leia mais sobre Cultura de Paz na Reflexão de Toninho Macedp:
Um momento de reflexões pelos caminhos que desfraldaram a bandeira branca da Paz – clique aqui
Saiba mais detalhes e informações da Cultura de Paz na página da Abaçai – clique aqui
(*) Toninho Macedo — Por trás do conhecido Toninho Macedo, há o cidadão Antonio Teixeira de Macedo Neto, que conduziu grandes festivais de cultura e de folclore culminando no maior Festival de Cultura Paulista Tradicional, o “Revelando São Paulo“ – criado em 1996 –, por seis edições memoráveis na Zona Norte (Vila Guilherme em 2010 a 2014 e 2017/2018), além do interior e litoral.
Nele há também muita experiência e inteligência, que vem da graduação em Licenciatura Plenas em Letras Neo-Latinas (1972) e doutorado em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo-USP (2004). Atualmente é diretor cultural e artístico da Abaçai Cultura e Arte, além de gerir Museu da Inclusão e a Fazenda São Bernardo, fundada em 1881 em Rafard (interior de São Paulo), onde Tarsila do Amaral nasceu e passou a infância — saiba mais clicando aqui
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