Tiradentes
por Rafic Ayoub (*)
Passados hoje 230 anos da morte de Joaquim José da Silva Xavier, ou, simplesmente Tiradentes, em 21 de abril de 1792, herói e mártir da chamada Inconfidência Mineira, que serviu de inspiração para o movimento de rompimento dos laços entre Brasil e Portugal, esse importante capítulo de nossa história tem passado por um processo de revisionismo sobre as circunstâncias que levaram ao seu enforcamento.
Na realidade, sabe-se hoje, Tiradentes foi vítima da primeira delação premiada da história brasileira, feita pelo conhecido traidor Joaquim Silvério dos Reis.
Responsável pela condenação de destacadas personalidades do universo político e empresarial durante a fracassada Operação Lava-Jato, a hoje consagrada Delação Premiada é, conceitualmente, um acordo feito entre o Estado e o réu ou delator, que tem como finalidade facilitar o trabalho do poder judiciário na persecução penal .
Nessa modalidade, além de confessar seu envolvimento na prática delituosa, o réu ou delator expõe outras pessoas envolvidas na infração penal passando informações sobre o que cometeu juntamente com os outros integrantes de uma organização criminosa, ajudando na coleta de provas que possam resultar na condenação de todos envolvidos.
No século 18, a elite mineira ficou profundamente descontente e irritada com a Coroa Portuguesa que decidiu inovar e instituiu uma alternativa mais agressiva e elevada de cobrar tributos, que garantia à metrópole 20% de todo minério extraído até o limite de cem arrobas ou 1,5 tonelada.
Conhecida como “derrama”, essa nova sistemática de tributação consistia no confisco de bens e objetos de ouro para garantir que a meta de coleta fosse cumprida, fato que acabou despertando a ira e a grande resistência dessa elite mineira integradas por bacharéis, militares, comerciantes e fazendeiros, liderados pelos poetas Cláudio Manuel da Costa e Tomás Antonio Gonzaga.
Inspirados nos movimentos de independência dos Estados Unidos e da Revolução Francesa, os insurgentes mineiros tinham como objetivo se libertar do domínio português e transformar Minas Gerais numa república independente, porém, não contavam com o papel de um personagem que alterou todo curso da insurreição até então articulada, chamado Silvério dos Reis.
Integrante também do grupo de inconfidentes, o delator Silvério dos Reis viu nesse movimento uma oportunidade de obter benefícios e se livrar das consideráveis dívidas que tinha com a Coroa Portuguesa, apoiado na lei vigente na época na metrópole e em todas colônias , que previa não só o perdão mas também os favores do Reino para quem primeiro delatasse a existência de atos contra a Coroa e traição cometida contra a pessoa do Rei ou o seu real Estado.
Por livre e espontânea vontade, Silvério dos Reis procurou o governador da Capitania de Minas Gerais, Luis Antonio Furtado de Mendonça, então Visconde de Barbacena, e não só contou como também escreveu tudo o que sabia sobre a inconfidência, detalhando informações sobre cada um dos insurgentes e, em especial, sobre Tiradentes.
O início do julgamento
Aberta a devassa, que é uma mistura de inquérito criminal e processo judicial, para a apuração dos fatos e julgamento dos culpados, teve como resultado final a condenação de todos inconfidentes pelo crime de Lesa Majestade.
E por ser réu confesso, apenas Tiradentes foi condenado à morte, enquanto os seus demais companheiros condenados pela Coroa Portuguesa ao exílio na África.
Em 21 de abril de 1792, Tiradentes foi enforcado em praça pública no Rio de Janeiro e, depois de morto, teve seu corpo esquartejado.
E por ter delatado todos integrantes da Inconfidência Mineira, Silvério dos Reis recebeu o título de Fidalgo da Casa Real e o hábito da Ordem de Cristo. Além disso, teve suas dívidas com a Coroa Portuguesa perdoadas e recebeu ouro, uma mansão e o cargo público de tesoureiro da bula de Minas Gerais, Goiás e Rio de Janeiro.
Após tudo isso, o delator Silvério dos Reis adicionou “Joaquim” a seu nome e se mudou para Campos de Goytacazes, que fazia parte da Capitania de São Tomé e integra hoje o Estado do Rio de Janeiro. Morreu em 1819, no Maranhão.
E hoje, no Brasil, a grande sorte de nossa corrupta classe política é que apesar do instituto da delação premiada, a ameaça da sentença de morte, seja por enforcamento ou por guilhotina, já não existe mais!
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(*) Rafic Ayoub, jornalista pela Faculdade de Comunicação Social Cásper Líbero e pós-graduação em Mídia, Política e Sociedade pela FESPSP – Faculdade Escola de Sociologia Política de São Paulo, é também poeta, dramaturgo e autor do recém-lançado livro “ Miserere Nobis – Crônicas do Cotidiano”.
Atualmente é consultor especializado em Comunicação Corporativa Integrada.
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