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Jaçanã comemora 149 anos. Conheça as histórias do bairro na visão de três moradores.

Tempo de Leitura: 8 minutos
da Redação DiárioZonaNorte

Jaçanã completa 149 anos neste sábado (14/09/2019). Um tempo vivido de muito amor e consideração ao bairro que  acolheu muitas vidas e “estórias” em sua história. E, desta vez,  escolhemos as boas recordações e lembranças dos próprios moradores.  Eles registraram com mais propriedades, lembrando os tempos passados, que viveram e conviveram e  mostram as vivências em épocas diferentes, mas sempre levando o amor pelo lugar.

Esses antigos moradores do Jaçanã  publicaram suas memórias na página do “São Paulo, Minha Cidade”, produzido pela São Paulo Turismo-SP Turis, que reproduzimos abaixo. É uma maneira diferente — que vai dar pontos e referências em recordações para muita gente — que o DiárioZonaNorte leva sua homenagem ao Jaçanã e aos moradores. <<< Nota da Redação: a foto aérea — coisa bem rara na época, 1958 —  em sépia, mostra no centro o Hospital Geriátrico D. Pedro II e, já bem definidas, as Avenidas Guapira e Luiz Stamatis — um pouco antes, a Av. Benjamim Pereira. E ainda muito espaço para ser povoado e, do lado direito, várias casas >>>

UM JAÇANÃ DE 1960 — por Lúcio Kume (29/06/2007)

O trotar de cavalos a puxar carroças estalando nos paralelepípedos; o badalar dos sinos de todos os dias; o apito inconfundível da maria-fumaça; as músicas celestiais e fúnebres que ouvíamos vindas do seminário em feriados da Paixão e Finados; o majestoso corredor de árvores (o campo do Guapira à esquerda, logo no início) que formava o caminho de entrada do hoje centenário hospital São Luiz Gonzaga; o aroma adocicado que ficava no ar da pequena fábrica de balas (ficava na Rua Filadelfo Gouveia Neto) e as balas bananinhas que nunca mais revi; a algazarra dos pardais, no lusco-fusco, antes da noite cair no taquaral; o som de água corrente de riachos e córregos e a luz suave dos vaga-lumes; as lembranças tantas das ruas estreitas e distantes da minha infância sem dúvida se dissipam cada vez mais em névoa, tal qual a fina garoa tão comum daqueles dias.

Desde fins da década de 1970, mantinha uma curiosidade acerca da localização dos estúdios da Companhia Cinematográfica Maristela. Apesar de ter sido morador do bairro, desconhecia qualquer informação sobre a sua existência. Uma exposição de fotos sobre a Maristela no Museu da Imagem e do Som (MIS) foi o meu primeiro contato. Dia desses, navegando por sítios de busca na internet, acabei topando com o ótimo “Moro em Jaçanã” de José Eduardo Soares de Castro.

Além de trazer a exata localização dos estúdios da Maristela, trouxe-me uma outra grata surpresa: a menção da Aremina, um nome adormecido em algum ponto da minha memória e que me provocou, ou melhor, destampou por contigüidade (como se diz em psicologia) o resgate de lembranças outras deste tempo e lugar e, por tabela, estimulou a redação deste relato.

A propósito, próximo à fábrica Aremina havia uma pequena lagoa cujas águas de coloração verde-escura, musgosa, contrastavam com a argila bem branca das suas margens. Ela ficava numa rua paralela à fábrica, a Dr. Nicolino Morena. Hoje, presumo que a lagoa se formara com a ação das chuvas num terreno onde se extraía argila e deveria ser de propriedade da empresa.

Vivi no bairro por três anos, de 1959 a 1961. Foram os anos do Grupo Escolar Júlio Pestana onde estudei desde o 2º (turma da professora Mari) ao 4º ano primário. Morava na mesma rua onde ficava o seminário Camiliano (ficava atrás da paróquia Santa Terezinha), a Roque de Paula Monteiro.

Em frente ao seminário havia um grande campo de futebol e recordo que foi aí, chão batido de terra marrom, onde aprendi a andar de bicicleta. Mais tarde, em 1964, no local foi construído o Ginásio Estadual Professor Eurico Figueiredo, o citado GEPEF que aparece nos diversos depoimentos sobre o bairro.

Lembro bem que ainda havia muitos terrenos baldios e as casas, em geral, eram pequenas e tinham quintais; algumas com grandes quintais. As ruas eram de terra batida e somente algumas pavimentadas. O piso do calçamento da Avenida Jaçanã era de paralelepípedo, material empregado também no grande largo que ficava em frente à estação de trem.

O largo em arco articulava espacialmente a estação a uma pequena praça arborizada (a Comendador Alberto de Sousa) onde ficava o ponto inicial do ônibus. Na lateral da estação havia um chafariz e um grande cocho que servia de bebedouro aos cavalos, tendo também ao lado, um ponto de parada e descanso de charretes. Na época, não havia muitos carros e o uso de charretes e carroças ainda era uma prática comum.

O Tancão do Piqueri 

Algumas vezes, fizemos passeios e piqueniques numa região erma e tranquila que ficava atrás do hospital São Luiz Gonzaga. Lá havia uma lagoa que era chamada de Tancão. Íamos pela atual Avenida Paulo Lincoln do Valle Potin que saía lateralmente da Praça Comendador Alberto de Souza. Era uma rua de terra com poucas casas e muito mato pelas beiradas; tinha o cheiro de capim característico dando a nítida impressão que adentrávamos a um mundo de feição rural. Passávamos por uma ponte e no canteiro à esquerda havia uma bica d’água providencial para matarmos a sede.

Um adendo: será que ainda estará de pé uma grande árvore que beirava esta rua? Em volta do tronco maior saíam vários outros troncos menores formando um grande tronco que exigia vários braços para abraçá-lo. Uma fotografia, tirada em junho de 1961, testemunha a nossa presença (estavam a minha avó, tios, primos, meus pais e irmãos) junto a esta imponente árvore. Ao final da Paulo Lincoln do Valle chegávamos à Rua Maria Amália Lopes de Azevedo, na época, uma estreita rua de chão batido com poucas casas e suas chácaras com plantações de hortaliças. Era o caminho para o cemitério do Tremembé e passava por trás do morro da Vila Mazzei.

Tancão ficava próximo à confluência destas duas ruas. Na margem direita da lagoa havia uma rua que terminava mais adiante onde havia uma única casa. Na margem oposta, uma grande árvore tombava sobre as águas e servia de trampolim aos banhistas mais ousados. Era muito perigoso nadar nestas águas, diziam. Atrás desta grande árvore iniciava um grande morro de mata fechada. Tinha trilhas, armadilhas para caça de animais e algumas vezes víamos caçadores armados. Os limites do bairro terminavam ao sopé da mata da Serra da Cantareira. Atualmente, a lagoa está soterrada e toda a região transformada e irreconhecível; tornou-se um grande bairro densamente ocupado.

A Tramway e o “Trem das onze”

O trem passava a uma quadra e meia da minha casa. Ouvir o seu apito, de uma maria-fumaça ou de uma locomotiva diesel, tanto fazia, era parte de nosso dia a dia. O trem corria em seu próprio leito, ao contrário de alguns locais onde dividia a passagem em meio a carros e pessoas.

Em Santana, lembro dele correndo pela Rua Alfredo Pujol e pela Avenida Cruzeiro do Sul. Entre as estações Vila Mazzei e Jaçanã, duas estreitas ruas de terra (tornaram-se a atual Avenida Benjamim Pereira) margeavam os trilhos e havia um trecho, paralelo à Avenida Jaçanã, que ficava num patamar superior formando um barranco em relação aos trilhos e à rua oposta. Muitas vezes, com os colegas do Júlio Pestana, voltávamos caminhando pelos dormentes dos trilhos.

Pois bem, as minhas memórias afetivas do Jaçanã da minha infância ficam por aqui. Em 1965, morando no vizinho bairro do Tucuruvi, vi acontecer o sucesso do “Trem das Onze”. Coincidentemente, no mesmo ano ocorreu a desativação do trenzinho da Cantareira.

A bela canção (havia vencido o carnaval do Rio de Janeiro no ano em que a cidade comemorava o seu IV centenário) do genial Adoniran e seu estrondoso sucesso (gravado pelos Demônios da Garoa) brilhou fugaz como uma estrela cadente e tornou o bairro conhecido nacionalmente. Nestes tempos, metade dos anos 1960, ganhava força o processo de consolidação da chamada era da TV (ainda em preto e branco) e da indústria da cultura.

Lançar um olhar ao passado de cada um de nós dando voz ao vivido não é uma tarefa fácil. Os chamados das lembranças teimam vir à tona na linguagem dos sentimentos. Silenciosamente, à revelia, sem qualquer garantia de alegria ou tristeza; nossos sonhos se alimentam dessas ausências.

RECORDAÇÕES DO JAÇANÃ por Luiz Toneti (14/10/2010)

Jaçanã, nasci, cresci e quero aqui ficar até o último suspiro desta minha vida. Quando estudei sua história no Ginásio, não acreditei que o bairro já foi terra indígena onde aves de mesmo nome habitavam de forma ordeira o que antes se chamava de Guapira, que deu origem ao Clube de Campo Guapira e à Avenida Guapira.

Lembro vagamente do hospital São Luiz Gonzaga onde se tratavam os leprosos e somente se podia entrar no bairro depois de minucioso exame médico. Guardo em minha mente cortejos fúnebres que seguiam a pé até o cemitério do bairro do Tremembé e o comércio parava por alguns minutos, baixavam suas portas em respeito aos mortos que seguiam para sua morada eterna.

Poucos devem se lembrar do acidente que ocorreu com o trenzinho do Jaçanã onde hoje é a Avenida Cabuçu. Cena triste onde perdi um tio adolescente o que fez com que meus avós vendessem imóveis situados na Avenida Guapira em razão da perda irreparável de um filho querido.

E do Tião Padeiro, que com sua carroça e buzina acordava a todos de madrugada com o cheiro de pão fresquinho. Tempo saudoso. A confiança era tanta que a quantidade de pão adquirido era marcada numa caderneta, e pagava-se no final do mês. Este Senhor, felizmente, ainda vive.

Com o passar do tempo o bairro foi se transformando e o que antes era vendido com uma carroça, passou a ser oferecido com uma Kombi, mas a buzina continuava chamando seus clientes. Eram mais de mil pães entregues diariamente de porta em porta no bairro do Jaçanã. Tião Padeiro, homem rude, rústico, mas com sua força de vontade de trabalho criou com dignidade seis filhos bem encaminhados na vida.

Não posso falar do bairro Jaçanã sem lembrar de Dona Francisca, a parteira espanhola. Quem morou no bairro se lembra muito bem que não havia médico no local e quem fazia o parto era Dona Francisca. Senhora que nos deixou saudades.

Na minha mente, além dos fatos narrados, me lembro dos eucaliptos que cercavam a rua que nos levava até o hospital São Luiz Gonzaga. Quem caminha entre a cidade de São Paulo e o Município de Guarulhos e passa pelo bairro do Jaçanã, não sabe que pisa em solo santo, que a família do médico Sebastião Laet mostrou com escavações a existência de fósseis indígenas no local.

Quem já ouviu falar na Rua Irmã Filomena, Irmã Emerenciana, entre tantas irmãs, sabiam que elas trabalhavam no Hospital São Luiz Gonzaga? Quanta história num só bairro para se escrever em tão curto espaço de tempo.

MORO EM JAÇANÃ – por José Eduardo Soares (25/07/2006)

Mudei para o Jaçanã em 1961. Era tudo muito diferente. A Av. Guapira era bem estreita e a maioria dos imóveis eram residenciais. A Guapira e praticamente o bairro terminavam na esquina com a Luis Stamatis (naquele tempo era Av. Edu Chaves), no imenso portão do Asilo dos Invalidos D. Pedro II. Atrás do Asilo ficava o Ginásio Julio Pestana e mais além, depois da linha do trem e do antigo campo do Guapira (hoje Av. Antonio Cesar Neto) ficava o Hospítal São Luiz Gonzaga, antigo Hospital dos Leprosos. Íamos muito ao Cine Coliseu na av. Edú Chaves e ao Cine Aparecida na Av. Jaçanã.

Em 1964 foi inaugurado o GEPEF que abrigou os alunos do ginásio. O Julio Pestana ficou só com o primário juntamente com o Grupo Escolar de Santa Terezinha.

Do lado direito de quem desce a Guapira entrava-se pela R. Francisco Rodrigues onde havia 2 chácaras e um imenso terreno de onde se tirava argila para a Aremina (industria de tijolos refratarios). No final dessa rua ficava a Cinematografica Maristela que com tantos filmes bons alegrou gerações. Nessa época já estava abandonada.

Tinha também os bailes do Guapira na av. Luis Stamatis (ainda está lá) onde a moçada se encontrava. A rivalidade dos alunos do GepefSanta Rita e Aparecida era grande no futsal. Quando jogavam, os colégios ficavam repletos de alunos das duas partes porque geralmente o pau quebrava. Isso sem contar com o Colégio Albino Cesar e o Cedom. O Gepef tinha uma seleção de Futsal que jogava aos sábados à tarde.

Quem chegava tarde não conseguia entrar tamanha multidão. Em dois anos só perdeu um jogo, para o CPOR. Era um time maravilhoso que até hoje permanece na memória de quem viu. Para terminar não posso deixar de falar do famoso trem do Jaçanã, que virou o trem do Adoniram só por causa da rima. Ele nunca morou lá. Me lembro da ultima viagem. Ele passou por onde hoje é a Av. Abilio Pedro Ramos por volta das 18.00hs tocando insistentemente seu apito. Era a Maria Fumaça dando seu adeus.

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